VillaseGolfe
· Personalidade · · T. Maria Cruz · F. Nuno Almendra

BAGÃO FÉLIX

«Hoje, só faço, só estou, só penso, só digo o que gosto»

Villas&Golfe Pub. PUB HOMES IN HEAVEN Pub.
Vidago Villa Pub.
PMmedia PUB Pub.
Não fosse o ‘tempo’ ser considerado o bem mais escasso, Bagão Félix – que nos recebeu, em sua casa, em Lisboa, com toda a leveza de espírito –, teria todo o tempo do mundo, para, naquele final de tarde, no dia da entrevista, continuar a nossa conversa. Falámos pouco mais de uma hora, mas teríamos assunto para muito mais. O ex-político pronunciou-se sobre o tempo Chronos – com quem tem uma relação cordial, mas não obsessiva – e o Kairós – que é o tempo espiritual, aquele ao qual dá mais primazia. É natural de Ílhavo. Da terra, sente saudade das raízes uterinas – o pai e a mãe –, porque para ele «saudade é a presença da ausência». Formou-se em Economia. Tem afecto pela Botânica – um dos seus interesses na vida. Tornou-se político aos 31 anos. E, porque «o erro é a bússola da nossa aprendizagem», Bagão Félix foi aprendendo com os equívocos cometidos e com as dificuldades. Na memória, traz muitos pertences. Considera-se um ser «livre, dependente do que se gosta». E gostar... Bagão gosta de futebol, do Benfica, de religião, de botânica, de economia, de política… tal como nos disse, gosta «de tantas coisas» e, por isso, sente-se «uma pessoa feliz». 

É natural de Ílhavo. Veio para Lisboa em 1965. O que lhe deixou mais saudade?
As raízes. A raiz uterina, o meu pai e a minha mãe. Estávamos em 65, não havia telemóveis. Tinha 17 anos, não conhecia ninguém em Lisboa, e ir de Lisboa a Ílhavo, na altura, era só nas férias de Natal ou na Páscoa. A distância, do ponto de vista verdadeiro, era superior à distância que há hoje entre Lisboa e Londres. Aí senti em plenitude o que significa ‘saudade’. Saudade é a presença da ausência.

Na hora de escolher, optou por Economia. Se voltasse no tempo, voltaria a escolher ou optaria por Agronomia?
Não. De facto, na altura, hesitei muito. O liceu era do 5.º ao 6.º ano, e tínhamos de preencher uma alínea para escolher. Por exemplo: o D era para Direito, o J era para Económicas, o F era para Ciências e Engenharias… E eu pus F para ir para Agronomia. Sem qualquer pressão, nem dos meus pais, que me deram toda a liberdade. Mas, no último momento, quando ia entregar o papel, voltei a mudar para a letra J, que era de Económicas. E, assim, transformei-me num economista. Não sei se bom o suficiente, mas não estou arrependido. De lembrar: «O Titanic foi feito por profissionais e afundou-se; a Arca de Noéfoi feita por amadores e não se afundou», ou seja, a profissão é importante, é um meio para nos realizarmos, mas isso só não basta.

O gosto pela botânica corre-lhe nas veias. O que tem a natureza de tão fascinante?
Costumo dizer que corre na veia e na aveia (risos). Sabe, segundo a Bíblia, no Génesis, as plantas foram criadas ao terceiro dia e o homem só ao sexto; ao sétimo descansaram todos. São as plantas que nos garantem a transformação, a libertação do oxigénio e a captura do dióxido de carbono suficientes para vivermos, senão não poderíamos viver. Gosto da Natureza, pois, compreendo que estou cá também por causa das plantas. São seres muito mais sencientes e inteligentes do que as pessoas pensam, e têm formas de revivescência que a Natureza humana não tem.

Quando entrou para a política, para Secretário de Estado da Segurança Social, imaginava o desafio que tinha pela frente?
Não. Era muito jovem. Tinha 31 anos. Era o tempo do Sá Carneiro. Recebi um telefonema do Doutor João Morais Leitão, que me perguntou: «Olhe, quando é que vem para Lisboa?», «Vou amanhã», respondi. Quando ele me convidou fiquei muito surpreendido. Hesitei, mas ainda bem que disse «sim» porque é uma das paixões que tenho – a área social. Com algumas coisas boas e más, algumas bem-feitas e outras menos, como tudo na vida, porque o erro é a bússola da nossa aprendizagem. Só aprendemos com o erro e com a dificuldade.

Quão desafiante, ou inquietante, foi todo o seu percurso político?
Foi mais desafiante do que inquietante, para ser muito honesto. Há dias em que acordamos nessas funções com a sensação de que não somos capazes de resolver nenhum problema, mas há dias em que acordamos com a sensação de que podemos contribuir. Entre o sonho sempre inacabado e a frustração sempre angustiante, vai-se vivendo, mas o saldo é positivo, enquanto experiência pessoal. Experiências que provavelmente repetiria, na idade que tinha, hoje já não.

Intitula-se como independente, por convicção, e dependente por liberdade. Sempre teve liberdade suficiente?
De um modo geral, sempre tive a liberdade que queria. Os meus pais educaram-me na liberdade, o que significa educar-me na responsabilidade, porque liberdade e responsabilidade são irmãs siamesas. Porque é que eu digo que sou independente por convicção?! Isso tem que ver com uma frase de um pensador francês: «Ser livre é depender do que se gosta». Tentei sempre depender daquilo de que gostava, amava, e me interessava. Tenho 69 anos, estou a entrar na fase última da vida, sem qualquer drama, pois... a ‘passagem dos anos’ (não gosto de dizer velhice) dá-nos a experiência. Hoje, cada vez mais, só faço, só estou, só penso, só digo o que gosto.
«Os bons diretores gerais, os quadros do Estado, com carreira feita, passo a passo, tijolo a tijolo, desapareceram»

E gosta de futebol. Gosta do Benfica!
Isso não é gostar, isso é uma paixão. A paixão é o excesso de afecto. É diferente da paixão no sentido de relação entre homem e mulher, que é uma relação que se transforma com o tempo em amor, consideração, respeito, amizade. Sou casado há 45 anos, e antes namorámos seis, portanto, estou há 51 anos com a minha mulher. Hoje, não estou apaixonado por ela, nem ela por mim. Temos outras formas de gostar. No futebol e no Benfica não é assim. É sempre paixão. E, portanto, tanto é uma paixão vitamínica, analgésica, como, quando se perde, é brutal, violenta, mas eu gosto disso, acho piada.

Não muda...
A minha neta mais velha, a Joana, tem 14 anos e é ‘doente’ pelo Benfica. Tenho quatro netas, e uma delas é sportinguista. Aliás, quando passa comigo de automóvel pelo Estádio da Luz, tapa a cara, e eu costumo dizer-lhe: «Podes deixar de ter respeito pelo Benfica, mas tens de respeitar o avô» (risos). Quanto à minha neta Joana, há dias em que o Benfica não está a ganhar e eu já nem penso em mim, penso é nela. Quero que ganhe só por causa da Joana. Há dias, dizia-me: «Oh, se não ganharmos, não vamos ser Pentacampeões», e eu respondi-lhe: «Ó Joana, eu esperei 69 anos para sermos Tetracampeões, tu ainda tens 14, tem calma» (risos). Mostro-lhe sempre a racionalidade.

Quem é este homem aos olhos de quem o conhece ou ainda possa vir a conhecer?
Isso é uma boa pergunta. Há uma coisa de que me orgulho – talvez a única, para além de ser pai, avô e marido –, que é as pessoas, embora concordando ou discordando daquilo que digo, explico, faço, perceberem que não digo nada só por dizer, e isso é que corresponde à verdade. Gosto da vida; gosto do aletoscópio; gosto de estar no aeroporto duas ou três horas a olhar para as pessoas e a cheirar o mundo; gosto da paciência do tempo... O tempo é tão bom! Espero que, no último dia da minha vida, ainda tenha condições para saber mais qualquer coisa.

Porquê?
Simplesmente porque quero, porque gosto, não tenho a visão utilitarista da vida. Lá voltamos à velha questão: «O ser livre é depender do que se gosta». E... Gosto de tantas coisas que me sinto uma pessoa feliz.

Existe tempo perfeito?
Há dois tempos. O tempo do Chronos, que hoje nos algema, por exemplo, o telemóvel, iPad, com que tenho uma relação cordial, mas não obsessiva, pois são meios, não fins. E há o que os gregos chamavam o Kairós, que é o tempo espiritual. Dou mais primazia ao Kairós. Há pais que estão duas horas com os filhos, tempo cronológico (Chronos) e estão zero minutos com os filhos, no tempo espiritual (Kairós). Já João Paulo II dizia que há filhos que são órfãos de pais vivos. Mais vale ter um minuto de Kairós do que não sei quantos dias de cronómetro. 

Mudando o tempo e a área. Na proposta de Orçamento do Estado para 2018, com o que é que concorda e do que discorda?  
Há uma coisa que um ex-Ministro das finanças aprende definitivamente – se for sério, como é óbvio –, que é: não devemos fazer uma análise do Orçamento do Estado a preto e branco. Não está tudo certo ou tudo errado. Não! Há sempre coisas bem-feitas e há coisas que deviam ser mais bem-feitas. Qualquer maioria tem de dizer bem do orçamento, muitas vezes até discordando; e os partidos da oposição obrigatoriamente têm de discordar. Percebo esse jogo político, mas confesso que não me interessa. Agora, esta é única altura, de que me lembro, em que todo o mundo verifica crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com excepção da Venezuela e mais um ou outro país. Se eu fosse um técnico orçamental de La Fontaine, diria que, neste tempo orçamental dos últimos anos, passamos de uma formiga demasiado obstinada, demasiado teimosa, para uma cigarra que parece demasiado gulosa e demasiado precipitada no tempo. Se não aproveitarmos agora para as reformas de fundo de que o país precisa, quando é que vamos aproveitar?! Talvez seja esta a crítica que faço, mas é uma crítica mais filosófica. Todavia, há alguns aspetos que me pareceram precipitados, ao longo destes últimos dois anos. Um deles: porque se voltou às 35 horas na função pública?! Primeiro: toda a gente fala da equiparação, da igualdade entre a função pública e não pública; aqui, a função pública já não quis saber da não-pública. Em segundo lugar, nós sabemos que o Estado tem pessoal a mais nuns sítios e a menos noutros. O Estado está completamente descapitalizado, do ponto de vista das qualificações. Os bons diretores gerais, os quadros do Estado, com carreira feita, passo a passo, tijolo a tijolo, desapareceram. Desapareceram porque foram para a reforma; morreram, porque saíram desencantados da função pública. Hoje, o Estado está completamente desarmado, por isso as leis são feitas em escritórios de advogados. É um problema que não é apenas deste governo. O país precisaria de dois acordos de regime: da qualificação da administração da função pública e a sua revitalização séria, e de um acordo de regime sobre o sistema fiscal; e no sistema fiscal nós não temos armistícios, temos guerras.

Recentemente falou à Lusa e afirmou: «O sistema fiscal português está cheio de incoerências e buracos». De que tipo de reforma fiscal necessitamos?
O sistema fiscal parece a pedra-pomes: tem muitos buracos e pouca densidade. Diria que o imposto sobre as pessoas singulares é um imposto que é brutalmente progressivo, no sentido em que o Estado considera ‘fiscalmente rico’. Se reparar bem, uma pessoa que ganhe 2.000€ paga uma taxa marginal de IRS perto dos 40%, mais 11% de Segurança Social, ou seja, tem mais de 50% do seu ordenado, à partida, cortado, e não estamos a falar de ordenados elevados. Às vezes, as pessoas dizem-me: «Ah, temos uma taxa marginal máxima de 40%, há países que também têm de 48%, 50% e não se queixam...». Claro. Só que esses países têm taxas marginais de 48% para rendimentos superiores a 500.000€ e nós temos taxas de 48% para rendimentos de 80.000€.
O segundo ponto é a questão do imposto sobre os lucros das sociedades. Acho que é um dos aspetos mais criticados na actuação deste governo. Peço desculpa, estou a fazer um juízo de facto. Goste ou não se goste, hoje vivemos numa competição agressiva, brutal, e, portanto, quando cortamos a descida do IRC, além de dar sinal de menor previsibilidade para os agentes económicos – porque precisam de ter um quadro fiscal previsível para investirem –, exige este cenário de estabilidade fiscal.
Terceiro ponto, a questão da poupança, que é uma espécie de variável enjeitada dos modelos económicos. Ora, só há investimento se houver poupança. Hoje, temos a taxa de poupança mais baixa da União Europeia, 4% de rendimento disponível, quando já tivemos 30. Na crise, em 2008, subiu a poupança, porque as pessoas tiveram medo, efeito de precaução. Mas 4% de poupança não é possível para um país viver. Qualquer economista sabe ver o bê-á-bá destas questões. E o que é que nós temos hoje?! Onde é que as pessoas podem poupar?! Pôr o dinheiro no banco, além de arriscar, rende zero, praticamente. E o contrário da poupança é o consumo. As pessoas deixaram de ter cultura de poupança. É o ter, o trocar, o possuir à frente do ‘ser’. Hoje, as pessoas consomem as coisas úteis, as fúteis e as inúteis.
O último, e quarto ponto, é o IVA, que é o imposto mais forte, em termos fiscais. Faz-me ‘impressão’ que tenhamos de pagar 23% de IVA sobre a energia, e, ao mesmo tempo, se pague 23% sobre um carro de luxo, ou uma pedra preciosa. Este Governo fez uma coisa de que eu discordei, que foi voltar a alterar o IVA da restauração de 23% para 13%, e a energia passou de 6% para 23%. Não era preferível passar a energia de 23% para 13%?! O IVA deveria distinguir o consumo dos bens de que não posso abdicar, como a eletricidade, daqueles de que, apesar de tudo, ou posso abdicar ou posso selecionar. E, de facto, o IVA não faz esse tipo de distinções.

Passados mais de dez anos afastado da política, o que mudaria hoje?
Para começar nunca seria ministro da Economia, porque acho que é dispensável. Ministério da Economia para quê?! O ministro de Economia não trata de Economia. Faz discursos. O verdadeiro Ministério da Economia é o Ministério da Educação – é aquele que prepara as pessoas para a Economia do futuro. O Ministério da Educação não se devia chamar ministério de «educação», mas de «ensino», porque a educação começa em casa. Educa bem as crianças se não quiseres ter problemas com os adultos, já dizia o Pitágoras. 

Recentemente, participou no seminário Repensar a Europa. Que ilações tirou e o que é preciso fazer para se repensar a Europa?
Foi no Vaticano (e até recebi hoje as fotografias em que estou a cumprimentar o Papa, fiquei muito contente). O Papa Francisco teve uma intervenção brilhantíssima. Foi um encontro entre os quatro eixos da Europa: o Ocidente e o Oriente, o Norte e o Sul. (Lembro-me de há dois anos e tal ir a uma escola porque queria melhorar o meu italiano. Na altura da inscrição, a senhora, muito simpática, pergunta: «E porque é que quer saber italiano, vai para Itália?», «Não, minha senhora, não vou», respondi, «Mas trabalha em alguma empresa italiana?», «Não», e ela continuou a perguntar... muito admirada: «Mas então para que é que quer saber italiano?», «Porque quero, porque gosto e me apetece», respondi-lhe, e diz ela: «Ah, é isso!» [risos])
Voltando à pergunta. O Papa disse uma coisa que foi uma das principais ilações que retirei: «Estamos a construir uma Europa baseada em arquétipos e em números da quantidade». Dizia o Papa: «Não falamos de desempregados, falamos de indicadores económicos; não falamos de pobreza, falamos de limiares de pobreza; não falamos de emigrantes, falamos de cotas; não há criança, há crianças; não há família, há famílias; não há instituição, há instituições». O modelo de decisão e construção da economia europeia é completamente baseado em números, em quantidades. 

«As pessoas consomem as coisas úteis, as fúteis e as inúteis»

Às vezes parece que andamos todos desprovidos da razão. Para onde caminhamos?
Hoje vivemos a ditadura do «Eu» em primeiro lugar, um individualismo atrofiante. O Papa também falou no orgulho da pertença. Por exemplo, em Portugal, já reparou que as pessoas não têm orgulho da pertença? Se vir bem, as pessoas dizem mal da empresa onde trabalham, dizem mal de onde habitam, dizem mal da cidade…, nunca estão contentes. O único orgulho de pertença que temos é com a Selecção Nacional, com as bandeirinhas, e, mesmo essas, acabando o europeu e acabando o mundial, algumas, ainda continuam nas varandas e nas marquises passados anos, todas rotas. Já reparou que em Portugal é raro as pessoas dizerem «Portugal»?! Dizem: «este país», «o nosso país». Falta o orgulho da pertença, como elemento ético.

Termina, hoje [09 de Outubro], o Web Summit. É só robôs, tecnologia... O que vai ser o futuro do Homem, em termos éticos?
Muito boa questão. Aí, sim, já sou velho. Desconfio muito deste ‘parlapiê’ da Web Summit, mas reconheço que tem alguma importância. No entanto, a maior parte das startups são StartOut, há muita aparência, e também há muito negócio. Agora, a questão fundamental é se queremos transformar os meios em fins. A técnica é univalente, ou é libertadora ou é prisioneira, ou seja, as tecnologias, que neste momento são notáveis, não nos podem aprisionar, porque elas são um instrumento para nós e não o fim em si mesmo.
Vivemos em nome de quê?! Nós somos o fim de si mesmo, não dos nossos meios. Immanuel Kant dizia que uma das regras é a da «dignidade», ou seja, «nós somos sujeitos e fins das acções e não meios ou instrumentos». Se Kant ressuscitasse, se voltasse a este mundo, morreria de síndrome cardíaca. E a técnica, hoje, não é em nome de nós. Às vezes é contra nós, ou para nos abafar. Ora, essa distinção, sem prejuízo de que as tecnologias são fundamentais, deve ser vista com este recado.

Que árvore escolheria para melhor retratar Portugal?
Seria a oliveira, não por razões de Estado Novo (risos), mas porque a oliveira é uma árvore absolutamente rebatedora. Se olhar para uma oliveira pode ver o caule. O caule é o retrato permanente, completo e integral da vida. Lá vê sofrimento, sacrifício, abnegação, paciência, revivescência, exuberância... Ainda por cima a oliveira é muito portuguesa, não só porque é mesmo, mas também porque a oliveira ‘contenta-se’ com pouco, é minimalista, sabe fazer muito com pouco, o que é uma característica muito dos portugueses.

Eticamente falando, a verdade deveria estar acima de qualquer coisa ou situação? 
O Oscar Wilde dizia: «Diz a verdade, porque se disseres a verdade, vais ver que mais tarde ou mais cedo és descoberto.»
«Se Kant ressuscitasse, se voltasse a este mundo, morreria de síndrome cardíaca»

E Aristóteles dizia: «Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade...»
Exatamente. Normalmente dizemos: se mentires, mais tarde ou mais cedo, és descoberto. E o que Oscar Wilde dizia era o contrário. A verdade não é um valor de troca, a verdade existe por si. A mentira subsiste pelos outros. A verdade existe por si e, por isso, a verdade não é a mentira elevada a menos um, em termos matemáticos. E, hoje, a verdade tem que ver com a autenticidade. O que é a autenticidade?! A autenticidade é a verdade do comportamento, que é um bem escasso. Hoje, os políticos já não dizem mentiras, dizem verdades. Agora são as pós-verdades. Aliás, se estivermos atentos ao noticiário na televisão, durante uma hora, a correcção política é nauseante, porque as guerras atingem crianças, mulheres… E o que dizem é que a guerra teve ‘efeitos colaterais’; ou, então, as crianças já não chumbam, são ‘retidas’; ou já ninguém faz plágio, faz ‘copy paste’... E, por exemplo, a questão do aborto: há 50 anos, era um ‘desmancho’; depois, passou a ser ‘aborto’; depois, passou a ‘interrupção involuntária da gravidez’; e, agora, é uma sigla, que é o IVG. Ainda por cima é uma estupidez: é que no aborto não há uma ‘interrupção voluntária de gravidez’, há uma ‘cessação voluntária de gravidez’, porque se nós interrompermos esta conversa, quer dizer que podemos retomá-la… O mundo está cheio disto.

Planos futuros, tem?
Tenho: viver, aproveitar a vida. Simplesmente quero viver e dar cumprimento à maior prenda que os meus pais me deram que foi terem-me dado vida. A relação com a morte é uma relação muito difícil, brutalmente difícil. Tenho medo da morte, tenho tanto medo da morte como uma criança tem do escuro, mas é uma relação apaziguadora, aliás, na morte, a única coisa que eu não quero é morrer sozinho, quero despedir-me. Às vezes, vou para o estrangeiro e penso: e se morrer agora?! Não consigo despedir-me.

É um homem de Fé? 
Sou, um homem de Fé cheio de dúvidas, porque a Fé constrói-se com a dúvida. Às vezes, caio, outras vezes, levanto-me, outras vezes, suplico, outras vezes, esforço-me. Como dizia Pascel «eu não sei se Deus existe ou não, agora a minha vida é feita como se ele existisse».

Maria Cruz
T. Maria Cruz
F. Nuno Almendra
Política de Cookies

Este site utiliza Cookies. Ao navegar, está a consentir o seu uso. Saiba mais

Compreendi