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Miguel Albuquerque

«Um Portugal que tem medo da própria sombra nunca sairá da lógica da mão estendida para a Europa»

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Após seis anos à frente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque garante que a sua visão política se tem revelado certeira. Não gosta de futurologia, mas acredita que a região sairá fortalecida política e socialmente no pós-pandemia, muito graças à sua atuação governativa, que, por vezes, esteve debaixo de fogo. No que à economia diz respeito, aponta a mira ao mar, ligando-o à investigação e desenvolvimento, com empreendedorismo e atratividade, para fixar novas empresas e dinamizar subsetores pouco desenvolvidos em Portugal e para os quais a Madeira, afirma, tem grande potencial. Mas o problema do costume mantém-se. Pede mais graus de liberdade na autonomia do seu território, para poder fazer «mais» e «diferente». Algo que, como se sabe, depende das relações com o continente. E essas continuam presas numa a que chama de «natural».

A Ilha da Madeira tem ‘produzido’ alguns dos nomes que mais têm elevado Portugal: Cristiano Ronaldo, Nini Andrade Silva, Tolentino Mendonça, entre outros. No seu entender, o que faz desta região autónoma uma terra tão forte e de gente tão carismática?
A Madeira, como outros espaços no mundo, tem a felicidade de ver filhos da terra ganharem notoriedade e prestígio nacional e mundial. Isso não só é motivo de grande orgulho para todos nós, mas também constitui uma forma de dar a conhecer, por excelentes motivos, esta bela região – terra de sol, natureza e mar. A natureza forte, o território difícil e desafiante, o próprio facto de habitarmos ilhas fazem do madeirense uma pessoa singular, acostumada ao desafio – mas também ao deslumbramento, que nos atravessa a cada esquina. Talvez isso aguce o engenho e a criatividade e seja motivo de superação para muitos dos que aqui nascem.

A Madeira foi muitas vezes acusada de ir longe demais nas medidas adotadas para conter a pandemia. Preferiu pecar por excesso de zelo?
Considero que as críticas são completamente infundadas. Não posso aceitar que a vontade de tomar medidas, muitas vezes diferentes do todo nacional, com maior grau de restrição, mas sempre com um planeamento, uma estratégia e um fundamento, possa ser vista como excesso de zelo. A pandemia não acabou. Tem conhecido incidências diferentes, e a Madeira tem sido capaz de proteger os que aqui vivem e trabalham e de acolher os que nos querem visitar. As medidas pioneiras que desenvolvemos, abrindo o aeroporto a 1 de julho de 2020, com testagem a todos os viajantes, confinamentos quando necessários e regras muito claras de como entrar e circular no território, foram indispensáveis para que nos tenhamos afirmado como um espaço seguro, confiável e de baixa incidência da pandemia. Se não tivéssemos tido a coragem de tomar estas medidas, hoje atravessaríamos uma situação económica e social muito mais difícil.

«A Região Autónoma da Madeira tem um potencial enorme, assim o país entenda e nos deixe crescer, inovar e prosperar» 

A Madeira sairá deste período mais reforçada política e socialmente?
Acredito que sim. Mas não gosto de futurologia. Atravessamos um período de inúmeras incertezas e em que o que hoje é certo para a semana pode ser incerto. Estamos a trabalhar em todas as frentes. No apoio à saúde, na defesa dos postos de trabalho, no suporte às empresas, no controlo da pandemia, no socorro aos mais afetados pela crise. Politicamente, penso que a Madeira deu mostras de saber fazer diferente, com consistência e afirmando-se como um exemplo internacional. Não sou eu que o digo, são as instituições internacionais que vêm perceber como funciona o mecanismo que montamos para garantir confiança e segurança nas duas ilhas. Socialmente, acredito que, com o trabalho que estamos a fazer e com o que planeamos implementar no futuro, estaremos mais resilientes e mais fortes.

Quais as grandes apostas para o arquipélago nos próximos anos, nomeadamente no que à recuperação económica e ao turismo dizem respeito?
Uma das principais apostas de futuro para a Madeira é um contínuo e consistente investimento no mar. Temos pioneirismo em áreas como a aquacultura, como o Registo Internacional de Navios – um registo português que é o quinto maior da Europa e ambiciona chegar a ser o terceiro. Estamos fortemente empenhados em ganhar atratividade em novas áreas relacionadas com a economia do mar, ligando I&D com empreendedorismo, atratividade para fixação de novas empresas e dinamização de subsetores ainda pouco desenvolvidos em Portugal e para os quais a Região Autónoma da Madeira tem um potencial enorme, assim o país entenda e nos deixe crescer, inovar e prosperar. Digo isto porque, em diversos aspetos, não depende apenas da nossa vontade o fazer mais depressa, fazer diferente e fazer acontecer com consistência. Muitas vezes, a burocracia reinante que amarra o país é um dos maiores entraves. Mas a par do mar, o turismo será, naturalmente, um setor incontornável nas próximas décadas. Porém não devemos ficar exclusivamente dependentes do seu sucesso ou à mercê dos seus momentos menos bons. O Centro Internacional de Negócios da Madeira é outro dos instrumentos que temos de fortalecer. Nos seus mais de 30 anos de atividade tem-se afirmado mundialmente como espaço de atratividade para empresas das mais diversas áreas. Representa, não apenas uma importante fonte de receita para a Madeira, mas também constitui oportunidade de emprego maioritariamente qualificado para muitos jovens quadros, que encontram nessas empresas uma excelente oportunidade. A par disto, estamos fortemente empenhados em nos afirmarmos como região que acolhe investigadores, trabalhadores e investidores que, com excelentes comunicações, podem desenvolver a sua atividade a partir da ilha, vivendo num lugar muito agradável, não massificado e com qualidade de vida.

«Muitas vezes, a burocracia reinante, que amarra o país, é um dos maiores entraves»

Quais seriam, no seu entender, as grandes ferramentas que a Madeira necessitaria para dar o salto que tanto defende?
Necessitamos de diversas ferramentas que, incompreensivelmente, não são colocadas ao nosso dispor ou então são condicionadas por uma certa visão centralista que impera em certas cabeças. Uma delas é a possibilidade de sermos competitivos fiscalmente. Uma região ultraperiférica como a Madeira, que não tem escala para a indústria, necessita de poder atrair investidores sendo competitiva fiscalmente. Essa atratividade permitiria reforçar as receitas próprias da região, essenciais para podermos suportar os custos com a Saúde, a Educação, a manutenção de infraestruturas ou os apoios sociais aos mais frágeis socialmente. Necessitamos de outros graus de liberdade na autonomia do território, para podermos fazer diferente e podermos caminhar mais rápido e mais eficazmente, num tempo em que o mundo não espera por indecisões constantes. Um exemplo prático? Estamos há mais de cinco anos a aguardar que um pingue-pongue de capelas se decida pela instalação de equipamentos mais modernos no aeroporto Cristiano Ronaldo, indispensáveis para a sua melhoria operacional. Reuniões e mais reuniões. Não instalam. Não decidem quem instala. Recusam até que o Governo Regional os pague. E propusemos isso perante tantas hesitações. Conclusão? Estamos todas as semanas a ver o nosso turismo ser penalizado, porque a burocracia e a distância de quem tem de tomar estas decisões torna o problema numa ninharia para aqueles que a 900 km nem sabem do que se trata. Não sabem, nem querem saber.

O Governo da Madeira é um bom exemplo de regionalização?
Não tenho a menor dúvida de que a Região Autónoma da Madeira é um excelente exemplo das virtualidades da regionalização. Porém, de um país que tem um projeto concreto de Regionalização enfiado na gaveta, porque os políticos do sistema preferem o politicamente correto, que não belisca o poder centralista de Lisboa, pouco se deve esperar na próxima década. Foi encomendado por uma comissão independente, nomeada pela Assembleia da República, levou um ano a preparar, foi entregue e, como de costume, remetido para o fundo da gaveta. É por isso que Portugal continua a ser cada vez mais assimétrico, desertificado, desigual e pobre. Um Portugal que tem medo da própria sombra nunca sairá da lógica da mão estendida para a Europa, do contentamento com pouco, da mediania que a todos tolhe. Ai de nós se não existisse a autonomia, com órgãos de governo próprio – uma Assembleia Legislativa e um Governo. Ainda estaríamos na ‘idade da pedra’.

«Estamos fortemente empenhados em nos afirmarmos como região que acolhe investigadores, trabalhadores e investidores»

Como caracterizaria as relações entre a Madeira e o poder do continente?
São as relações normais entre quem quer fazer mais, mais depressa e muitas vezes diferente, não por capricho, mas porque nos parece o mais adequado à nossa realidade. A cordialidade é evidente. Naturalmente que ela existe entre pessoas que exercem funções públicas. Mas vigora uma tensão natural, que resulta da inultrapassável dicotomia entre uma postura ancestral de ser o centro de tudo, que olha com distância e pouco interesse para as posições e para os assuntos de um punhado de gente que vive algures no meio do Atlântico, e a urgência que estes colocam na solução para os problemas com que se confrontam todos os dias. Não compreender isto como natural é não perceber a condição humana.

Filomena Abreu
T. Filomena Abreu
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