VillaseGolfe
· Arte · · T. Maria Cruz · F. Igor Martins

Luís Alegria – Galeria Luís Alegria

«O valor de uma peça depende da raridade dessa peça»

Villas&Golfe Pub. PUB HOMES IN HEAVEN Pub.
Vidago Villa Pub.
PMmedia PUB Pub.
Estudou no Colégio dos Maristas e frequentou o Liceu Garcia de Orta. Luís Alegria sonhou com arquitetura. Estava no sétimo ano quando se dá o 25 de Abril e toda a sua vida mudou. Durante dois anos, o curso do 1.º ano de Arquitetura, nas Belas Artes, deixou de existir; o pai ficou com as contas do banco congeladas e o negócio que tinha quase colapsou. Todos estes acontecimentos mudaram o rumo à sua vida. Esqueceu a Arquitetura. Andou ‘perdido’ uma série de anos no curso de Engenharia Mecânica, na Universidade do Porto. Desiludido com as engenharias, abandona o curso e opta por Administração e Gestão de Empresas no Instituto Superior, pensando no futuro – o de ter a sua própria empresa. O que realizou, pois abriu a empresa com dimensão internacional. É certo que «nem sempre as linhas da nossa vida são traçadas como queremos», mas, mais importante do que isso, é saber «mudar as linhas», ver o que verdadeiramente nos completa e «faz feliz». E isso sentimo-lo quando conhecemos a galeria Luís Alegria, no Porto, e o seu criador, que tem peças de arte e antiguidades nunca antes vistas. Há mais de 40 anos que Luís Alegria reina, em Portugal, no mundo das artes. Já correu o mundo com exposições e até já foi condecorado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, em França, pelo ex-Presidente Jacques Chirac. E Luís corre, e continua a correr, inclusive ao volante do seu carro de rally – outra das suas paixões, pois é nas corridas que busca equilíbrio e serenidade e onde recarrega baterias. Já foi vice-campeão de Montanha, em 2006, e venceu três Campeonatos Nacionais de Velocidade (CNVC), em 2007, 2017 e 2020. 

«Eu tive a sorte de nascer numa casa cheia de coisas que me sensibilizaram para as artes.»
Conte-nos como foi este seu caminho pelo magnífico mundo das artes, que começa em Portugal e corre o mundo? 
O meu caminho no mundo da arte começou por convite de um amigo, que também fazia rallies e era antiquário. Sempre que se tinha de ausentar da sua loja, para comprar peças, eu ficava lá. Comecei por ir para a loja com os livros da Faculdade e ficava lá a estudar. Foi assim que aprendi muito sobre este negócio. Ele tinha vários livros de Porcelana da China, de mobiliário, prata, etc. Ao fim de vários meses, já os tinha lido todos e já discutia com ele vários assuntos. Aperfeiçoei o conhecimento dos estilos, dos pintores, das pratas e das porcelanas e percebi que era um mundo maravilhoso, sempre à descoberta de peças que estava a ver pela primeira vez. A ânsia de saber mais fazia-me estudar mais e aperfeiçoar toda a minha relação com a arte.
No final do curso, convidou-me para ser sócio dele, e com a ajuda do meu pai isso pôde acontecer. Mas, ao fim de algum tempo, eu queria ir mais longe, partir para outros mundos. Ele não gostou da ideia e ficou assustado. Nunca nenhum antiquário tinha saído de Portugal para fazer exposições. Separámo-nos. Cada um seguiu o seu caminho. Comecei a minha carreira internacional com a primeira exposição em Bruges, na Bélgica. Nessa exposição, os organizadores de Bruxelas, que foram a Bruges, adoraram o meu stand e convidaram-me para expor em Bruxelas, no Palais des Beaux Arts. Depois, apareceram os organizadores de Londres, que ficaram impressionados com o tamanho do stand e a qualidade das peças em destaque, e convidaram-me para o Ceramics Fair, no Park Lane, em Londres; e depois para o Grosvenor House – a feira mais prestigiada, nessa altura, na Europa. A partir deste momento, seguiram-se muitas outras. Fazia uma por mês – Biennale des AntiquairesBiennale de Monte CarloInternazionale MilanoTefaf BaselTefaf Maastricht –, todas em diferentes países – França, EUA (Nova Iorque), Brasil, México, Espanha (Madrid) e China (Hong Kong, Pequim e Macau). Vinha mudar de mala a Portugal e, nos intervalos, ainda tinha tempo para fazer uns rallies, que era a minha outra grande paixão.

Primeiramente, é um apreciador de arte. 
Estava habituado a ir com os meus pais a antiquários e museus. Eles tinham uma grande coleção de pintura, de móveis e pratas, que vinha de herança dos meus avós, e continuaram a colecionar peças de arte. O meu avô materno, Agostinho da Fonseca, era arquiteto, professor na Escola das Belas Artes e pintor. Está referenciado no livro Pintores Portugueses. O meu avô paterno, Henrique Ferreira Alegria, foi o Diretor Artístico da Invicta Filme no Porto e, mais tarde, abriu a empresa Pátria Filme, em Lisboa. O meu pai doou à Cinemateca Nacional, através do António Lopes Ribeiro, imensos filmes da Invicta. Foi feita uma homenagem em livro e na televisão ao meu avô, além de ter uma rua no Porto com o seu nome. Eu tive a sorte de nascer numa casa cheia de coisas que me sensibilizaram para as artes. Nessa altura, não pensava nisto como negócio, mas percebi, desde muito novo, que não conseguia viver sem estas coisas.

Aos seus olhos, como observa a arte em Portugal?
Portugal tem uma grande tradição em comprar obras de arte, é um país milenar com muita história e onde as pessoas cultivam a arte de receber. Tenho feito coleções lindíssimas em grandes casas; onde as peças se misturam numa decoração bem cuidada e estudada, que dá um requinte e aconchego que só as antiguidades conseguem dar. Existem algumas boas galerias, as exposições são escassas e com a pandemia nada pôde funcionar. Vamos esperar que o futuro se apresente mais risonho.

«Tenho peças que não é preciso ser rico para as adquirir (...)»
Na sua galeria, que tipo de peças podemos encontrar? Que valor pode ter uma peça? 
O meu stock abrange um mercado muito vasto, desde pintura flamenga e holandesa dos grandes mestres dos séculos XVII e XVIII a alguma pintura francesa, italiana, espanhola e portuguesa até ao princípio do século XX. No mobiliário, dou preferência aos móveis D. João V e D. José, em Pau Santo, assim como aos móveis indo-portugueses, com embutidos em marfim dos séculos XVI e XVII. Na Porcelana da China, desde o Reinado Ming até ao final do século XVIII, abrangendo encomendas portuguesas e de outros países. O valor de uma peça depende da raridade dessa peça. Tenho peças que não é preciso ser rico para as adquirir, e peças raríssimas que se fizeram muito poucas ou até que são únicas. Independentemente do valor, as peças que me dão mais gozo vender são aquelas pelas quais o cliente se interessa em ter conhecimento, ou aquela peça em que ele até sabe o que está a adquirir e reconhece o esforço que eu tive para a ter, pois eu sei que esse cliente lhe vai dar o devido valor e a vai preservar durante a sua vida. 

Após um ano difícil, para todos os setores, de que forma o Luís Alegria se reinventou, na sua atividade?
A nossa atividade esteve parada todo este tempo. As exposições foram todas canceladas desde março de 2020. Aproveitei para fazer avaliações e estudar. Estou a preparar uma exposição numa grande casa em que vou convidar os clientes individualmente, sem aglomerações, para verem as últimas aquisições neste último ano. Recebo chamadas de belgas e franceses que nos querem vir visitar, pois estão fartos de estar na sua cidade e estão com imensas saudades de ir a uma exposição, de ver coisas bonitas. Por isso, penso que este negócio vai retomar o seu rumo.

Já correu o mundo à procura de peças únicas. 
Quando me enviam uma informação sobre uma peça que se encontra num país distante, e que é do meu interesse, apanho um avião e vou tentar comprar essa peça. Nem sempre consigo. Ou porque alguém chegou primeiro ou porque a peça não corresponde à época que quem vendia indicou. Também pode acontecer ter demasiado restauro ou o preço que pedem ser tão alto que dificilmente poderei ter lucro com ela. Por outro lado, durante as exposições, aparecem pessoas para comprar, mas também aparecem pessoas para vender.

«As pessoas não têm noção, mas os chineses vão dominar o mundo.»
Tem clientes de toda a parte do mundo?
Realmente temos clientes em toda a parte do mundo. Nas exposições internacionais, temos o privilégio de conhecer pessoas e de fazer clientes que querem começar ou aumentar a sua coleção ou simplesmente investir em obras de arte. Não nos podemos esquecer de que as obras de arte não têm de ser comercializadas no país deles, podem ser transferidas para outros países que estão a valorizar mais essas obras. Se em Portugal não existe mercado, podem ser transferidas para outros locais, diferentemente de um imóvel, cujo local não podemos mudar. É esta uma das vantagens deste investimento. 

Como se mantém uma casa com 40 anos? Fale-nos deste seu projeto, da sua história, da evolução dos tempos, das pessoas, dos mercados, do produto...

Hoje em dia, com uma evolução dos mercados a uma velocidade alucinante, ou se tem uma empresa sólida, com um grande conhecimento do mercado e com uma adaptação à forma como as pessoas vivem hoje, que é diferente de como viviam há 30 anos, ou a empresa tem muita dificuldade em sobreviver. Muitos clientes vivem em casas mais pequenas do que antigamente, onde um móvel ou um quadro muito importante, de grandes dimensões, pode não ter lugar. Por isso é que as peças mais pequenas ou de dimensões médias estão proporcionalmente mais valorizadas. Há que ter em conta o que tem cotação nacional e o que tem cotação e procura internacional. É o caso da faiança portuguesa, espanhola, holandesa e outras, que têm procura nos países de origem e pouca fora deles; enquanto a Porcelana da China de exportação, vulgarmente conhecida como Porcelana da Companhia das Índias, porque teve encomendas iguais e parecidas para vários países do mundo, tem procura mundial. Ao ter uma empresa direcionada para o mercado internacional, com peças para o Brasil, México, América do Norte, Holanda, França, Espanha, Inglaterra, China, etc., não estou dependente de nenhum país. 

O mercado da China também é uma das suas apostas.

As pessoas não têm noção, mas os chineses vão dominar o mundo. Aqui, as pessoas querem direitos, querem fazer, ganhar o máximo possível, fazendo o mínimo possível. Lá não. Não funciona assim. Houve um ano em que cheguei a Hong Kong e não tinha a mercadoria, porque saiu daqui num camião para Londres e só de Londres é que iria para lá. Houve um contratempo e o camião não chegou com as coisas a tempo. Os três primeiros dias da exposição foram os outros que me emprestaram peças, para eu não ter o stand vazio. Mas, mal chegou o camião a Hong Kong, no sábado à noite, conseguimos desalfandegar no domingo – a alfândega funciona ao domingo. Isto é impossível em qualquer sítio da Europa. Lá, eles trabalham ao sábado, ao domingo, em qualquer dia. Vejam lá se isto é possível aqui; com estas democracias, com estas leis; isto é impossível. Por isso, vejam o quanto aquela economia cresce e aqui não.  

«Temos clientes em toda a parte do mundo»
O que sentiu quando foi condecorado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, em França, em 2002?
A condecoração que o Jacques Chirac me deu, em 2002, através do Ministro da Cultura e da Comunicação, Jean-Jacques Aillagon, foi pelas coisas que fiz em Paris. Fiz muitas exposições em Paris, levei a arte portuguesa para Paris, fiz grandes exposições, divulguei também peças internacionais da Companhia das Índias, feitas para França, inclusive, coisas do Luís XIV e do Luís XV. Fiz a maior exposição de azulejos portugueses que alguma vez se fez fora de Portugal. Por tudo isto, ficaram de tal ordem impressionados, que me vieram cumprimentar e dizer que estavam deslumbrados com tudo e que me iam condecorar. Em Portugal, tem esta ordem a Amália e mais umas quatro pessoas. De certo modo, somos condecorados fora de Portugal pelo que fazemos aqui no nosso país. É triste. Levei sempre o nome do Porto, e Portugal, nas exposições (Luís Alegria, Porto, Portugal). Mas nunca consegui, nestes 40 anos, que nenhum presidente da câmara do Porto fosse visitar alguma das exposições internacionais. Quando fui condecorado, no Palais Royal, em França, estavam as televisões de todo o mundo, exceto a portuguesa. As pessoas, infelizmente, em Portugal, não dão valor. 
O Porto, por exemplo, é uma cidade que tem um cariz europeu, se calhar até mais do que Lisboa. Os estrangeiros adoram vir ao Porto, pelo vinho do Porto, pela parte histórica, que é mais antiga do que Lisboa, tem um cariz muito especial, ou seja, dava para fazer aqui uma exposição internacional, pois era só pegar na ideia do que já fazem lá fora e melhorar, mas os presidentes de câmara, que até já convidei e a quem sugeri a ideia, nunca mostraram interesse. É pena. Sabe, as pessoas podem ser formadas, as pessoas têm um curso, mas não têm cultura nenhuma. Nem têm sensibilidade para a arte, nem para a cultura. Tudo se aprende, porque ninguém nasce ensinado. Por exemplo, o grande defeito do Porto é quase nem ter museus. Os museus são todos feitos na capital, o Porto praticamente não tem (tem o Museu Soares dos Reis, ultrapassadíssimo, e que não tem interesse internacional, e o resto são umas coleçõezitas que não têm interesse nenhum). Prontifiquei-me a fazer um museu, a trabalhar de graça, e deixá-lo à cidade, mas ninguém quer saber do museu para nada, nem trabalhando de graça as pessoas querem. As pessoas querem, olhe, querem coisas que deem votos. Repare que nem um museu da porcelana nós temos. E fomos o primeiro país a trazer a porcelana para a Europa, no ano de 1500, da época Ming. Os holandeses vieram mais de 100 anos depois. Devíamos de ter o museu de porcelana mais importante do mundo! 

Voltando no tempo, voltava a apostar todas as cartas neste universo da arte? 
Claro que sim. É a minha grande paixão, não consigo viver sem estar no meio destas coisas. É um trabalho exaustivo, que muitas vezes não é compreendido, mas, quando se gosta muito, consegue-se superar. 
Maria Cruz
T. Maria Cruz
F. Igor Martins
Política de Cookies

Este site utiliza Cookies. Ao navegar, está a consentir o seu uso. Saiba mais

Compreendi