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· Arte · · T. Redação · F. Vitor Duarte

Roberto Chichorro

«Os quadros têm que ter a capacidade de dialogar com as pessoas»

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Foi em Vale da Perra, a meio caminho entre Fátima e Ourém, que encontrámos um homem apaixonado pelas suas origens e pela sua infância, cujas memórias todos os dias o fazem sorrir. Roberto Chichorro é um artista de proveniência moçambicana que movimenta o pincel sobre as telas, mostrando ao mundo a beleza da cor e dos ritmos africanos. Em Chichorro, espanta-nos a tranquilidade da voz, característica inequívoca de um homem que diariamente se preocupa em dar mais uma pincelada numa história com 74 anos, com paragens em Moçambique, Espanha e, finalmente, Portugal. Um artista moçambicano numa casa portuguesa, com certeza. 

Ser artista está-lhe no sangue?
Desde miúdo que queria ser pintor. Quando cresci mantive o gosto e disse ao meu pai que queria estudar Arquitetura mas, como não havia o curso em Moçambique, a minha família não tinha dinheiro para me pagar os estudos na Europa. Depois pensei em seguir Psiquiatria, dado que sempre quis perceber aquilo que está dentro das pessoas, o que faz as pessoas serem boas ou serem más ou a razão que leva o homem à loucura. Mais tarde, informei o meu pai que queria ser pintor e ele disse-me para procurar um trabalho e explicou-me que os pintores são boémios e morrem de fome. Mas ele próprio também desenhava muito bem. 

Há uma herança familiar…
Há ali um gene qualquer. É que além do meu pai, a minha irmã também tinha muito talento para o desenho. 

Quando é que começou a pintar?
Comecei a pintar mais a sério quando estava na tropa. Tinha um colega que gostava de escrever e trocávamos ideias. A certa altura, falou-me de uma exposição e desafiou-me a levar lá os meus quadros. A galeria aceitou os meus trabalhos e foi aí que percebi que podia ser pintor, dado que já tinha participado numa exposição. Depois, tudo aconteceu naturalmente. Vendi o meu primeiro quadro a um inglês que tinha uma loja de molduras e que me pagou o equivalente ao meu vencimento da tropa (3300 escudos). Dei por mim a pensar: acabei de vender o meu primeiro quadro. 

Quando é que decidiu tornar-se profissional?
Já era adulto, já me tinha casado e já me tinha divorciado… Nessa altura já vendia muitos quadros em Moçambique, principalmente a estrangeiros, e encarei o desafio de viver da pintura. Até então tinha feito várias coisas: tinha sido desenhador de arquitetura, desenhador de publicidade, desenhador gráfico, desenhador cartográfico. Quando decidi que ia viver só de pintura já tinha mais de 40 anos. 

Depois disso seguiu-se Espanha e Portugal.
Quando eu já vivia da pintura, fui visitado por um funcionário da Embaixada de Espanha que me queria comprar um quadro e que me perguntou onde tinha estudado pintura. Tive que lhe explicar que era autodidata, pelo que o funcionário me perguntou se gostava de ter uma bolsa para estudar em Espanha e foi assim que fui parar a Madrid. Cheguei lá e disseram-me para fazer aquilo que quisesse, pelo que fui aprender a fazer cerâmica e gravura. Quis ir para o terreno, não quis ir para uma escola de pintura sentar-me a ouvir. Estive três anos em Espanha. Depois voltei a Moçambique até que me contactaram a perguntar se gostava de ter uma bolsa em Lisboa. Vim e entretanto a bolsa acabou mas, como eu já vivia da venda de quadros, fui ficando. 

Como é que se descobre que se tem uma vocação para a pintura?
Vai-se fazendo. Eu quero comunicar com as pessoas e, como sou uma pessoa tímida, embora não pareça, a pintura sempre foi a minha forma de comunicar. Aquilo que eu pinto é, aparentemente, um bocado ao contrário daquilo que os outros artistas fazem. Pintam-se muitas desgraças, para chamar a atenção. Eu pinto precisamente o contrário: uma criança a brincar com uma bola colorida ou com um triciclo, para mostrar que as crianças têm o direito a ter aquilo. Pinto mulheres com sapatos de cetim e vestidos de lantejoulas porque considero que toda a mulher tem direito a ser bela, a ser bonita.

Sente que a pintura tem obrigação de mostrar o belo?
O belo, por vezes, dói muito a pintar, até porque é necessário invocar recordações dolorosas. Eu pinto o sonho, aquilo que as pessoas gostariam de ser e que deveriam ter o direito a ser.

Pinta, no fundo, a utopia de um mundo perfeito?
(risos) Se calhar... Mas também é para mostrar que o mundo não é perfeito e que, para ser perfeito, devia ser como está nos quadros. 

Tudo isto é influenciado pela sua infância?
Pinto muitos pássaros, muitas gaiolas, violas de lata, serenatas à noite sob o luar. São tudo pilares da minha memória, da minha infância e do meu crescimento. 

Trocava algo na sua infância?
Não, não trocava nada. Olho para ela com prazer e com uma certa nostalgia. Eu costumo citar uma música da Mercedes Sosa que tem um verso com o qual me identifico muito: «Gracias a la vida, que me ha dado tanto». A vida a mim deu-me tudo, fui uma criança e um adolescente extremamente feliz. 

Para além da infância em Moçambique, o que o influencia mais?
Eu sou um homem de Moçambique. Cresci lá e formei-me lá mas todos os dias surge algo novo. Toda esta vivência na Europa fez-me absorver algumas coisas. A minha pintura não se tornou europeia, mas foi influenciada pela minha vivência europeia.

Costuma ir a Moçambique?
A última vez foi há cinco anos, quando fui convidado para ir lá fazer uma exposição. As passagens são extremamente caras. 

Continua a ter ideias novas com facilidade?
Sim, porque a vida todos os dias nos traz coisas novas. Amigos novos, amigos antigos que se reencontram, os casamentos… Fui casado quatro vezes e no fim há sempre a mágoa da separação, seguida de uma renovação e, muitas vezes, de uma nova paixão que traz um fluxo de criatividade. As coisas vão acontecendo no dia-a-dia. 

Pinta todos os dias?
Todos os dias brinco um bocado: faço uns desenhos, uns riscos. A mão precisa de treino diário, isso é obrigatório. 

Que exposições mais se orgulha?
Todas. Mas ao mesmo tempo todas me deixam uma certa insatisfação. Não está relacionado com ficar descontente com alguma coisa, é ficar com a sensação que há sempre algo além. No dia em que olhar e achar que está tudo feito, arrumo os pincéis e acabou. Eu gosto de expor, é sempre um desafio e assusta sempre um bocado, há sempre um julgamento, uma avaliação. 

Tem curiosidade em saber o que as pessoas pensam quando olham para os seus quadros?
Os quadros têm que ter a capacidade de dialogar com as pessoas, de ter voz própria. E por vezes acontecem coisas estranhas: já vi miúdos pequenos que vão com os pais e depois não querem ir embora, se calhar atraídos pelas cores; também já me aconteceu ver gente que está perante um quadro e chora. E aí sabe-se que aquele quadro disse alguma coisa àquela pessoa. 

Ter os seus quadros expostos é como despir a sua alma?
Nós quando expomos estamos a expor-nos. Estamos completamente despidos de qualquer mentira. A arte não se ensina, é pessoal e jamais pode ser baseada em mentiras. Em arte, tudo o que não seja honesto, não é arte.

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