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· Moda&Acessórios · · T. Joana Rebelo · F. Nuno Almendra

Fátima Lopes

«Vivemos a era mais democrática da moda»

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V&G foi conhecer um pouco mais sobre a emblemática estilista portuguesa, cujo nome dispensa apresentações. É no coração de Lisboa que encontramos o atelier Fátima Lopes. Os tons brancos e vermelhos, brilhos e luzes conduzem-nos até ao glamour da icónica madeirense. O encontro foi junto à «parede dos 30 anos», onde mil memórias estão recortadas em pequenos papéis, todos eles alusivos a três décadas de sucesso e muito estilo. Ao lado, acompanham prémios que não se contam pelos dedos, e o demais foi resultado de uma conversa rica em experiência. Entre o Funchal e o mundo, a criadora recorda as suas batalhas e conquistas no universo da moda. Junte-se a nós e... luzes, câmara, ação!
Nasceu no Funchal, mas mais tarde partiu em direção à capital. Onde considera ser, hoje, o seu verdadeiro lar?
O meu lar é em Lisboa, até porque é o lugar onde passo mais tempo. Apesar de não ser a minha casa, digo que é aqui que tenho o meu quartel-general, um espaço multifunções que inclui loja, atelier, estúdio, face models... Portanto, Lisboa é a minha casa. Depois, tenho o Funchal como o meu porto seguro e, Paris e o mundo, como local de trabalho.   

Qual foi o momento em que percebeu que tinha de sair do arquipélago para seguir o sonho de uma vida?
Nasci numa ilha e, portanto, a profissão de criadora de moda lá seria muito difícil. Comecei, por isso, a trabalhar em Turismo e a viajar muito. Turismo era giro, mas chegou a uma altura em que percebi que já nada me trazia de novo. A minha paixão era mesmo a moda e, aos 22 anos, comecei a achar que era exequível, mas não no Funchal. Parti à procura de oportunidades, daí ter vindo para Lisboa ainda nova. 

A paixão pela moda vem dos tempos de infância?
Acho que a moda nasceu comigo. Há coisas que não se aprendem. Ou nascem connosco ou tornar-se-á tudo muito difícil. Penso que metade é trabalho e a outra metade é talento inato. Desde muita pequena sabia que gostava de artes plásticas, artes manuais... Teve tudo sempre que ver com esse lado criativo inerente a mim. 

A televisão ainda nem à Madeira tinha chegado quando nasceu. À medida que crescia, mais custoso era vestir o que lhe davam. Isto leva-nos a questionar, naquela altura, onde é que via e sentia a moda?
Lá está, há coisas que não se aprendem, apenas nascem connosco. Sempre soube, desde pequena, aquilo de que não gostava. Fazia birras, recusava-me a usar certas roupas e, de facto, não as usava de todo. Esta capacidade de distinguir o que queria do que não queria foi o que me fez ir mais além e sonhar com o que não existia. Hoje é muito fácil ir ao Google e pesquisar o trabalho dos outros, mas, naquele tempo, nem era possível. Talvez seja por isso que tenha criado, desde sempre, um estilo que era e continua a ser o meu. Portanto, não tive influências de ninguém. A minha influência sempre fui eu mesma, aquilo que quero para mim, conseguindo transformar isso num negócio. 
«Há 30 anos, a Fátima Lopes era amada e odiada (...) passei de besta a bestial»

Sempre foi uma pessoa diferente, «fora da caixa»?
Em criança, não tinha a noção de que havia a sede de diferença. Portugal era antiquado, mas o Funchal era mais ainda. Penso que os jovens tinham uma vontade doida de fazer coisas diferentes, de ir à procura de tudo o que não tivesse sido feito. Essa vontade de fazer diferente fez com que nascesse toda uma geração de criadores de várias áreas, talvez porque nunca tiveram acesso a nada e, de repente, queriam fazer muito. Eu sou um desses exemplos. O que era uma dificuldade eu tentei transformar em projetos aliciantes e diferentes. Foi isso que definiu a minha marca desde o início. Não é uma cópia de ninguém. Muitas foram as vezes que disseram que a Fátima Lopes não é tendência. Claro que não é tendência, é única, aliás, foi isso que fez com que Paris abrisse as portas à minha marca. Diferença é a definição de criador e, portanto, nunca ninguém poderá acusar-me de fazer cópia de alguém, porque eu sempre fui leal a mim mesma, gostem ou não. 

Viajou pelo mundo desde cedo, uma vez que começou por ser guia turística. Foram essas viagens que a espicaçaram a pensar maior?
As viagens mostraram-me o mundo e que era capaz de fazer tudo aquilo que quisesse. Com 19 anos, percebi que a minha vida poderia ser em qualquer sítio, independentemente da minha profissão. O mundo era tão grande..., não precisava de estar fechada numa ilha. Portanto, ter sido guia turística acabou por ser uma escola de vida, até porque o meu trabalho consistia em organizar viagens. Era uma miúda responsável por grupos de 50 pessoas que, às vezes, ia para sítios que desconhecia e tinha de fingir que os conhecia, numa altura em que não havia Internet. Foi isto que me deu uma loucura saudável, a irreverência de não ter medo. Pensei que, se era capaz de fazê-lo, também seria capaz de seguir o meu sonho. 

Aos 23 anos, chega a Lisboa e dá os primeiros passos no mundo da moda. Portugal abriu logo os braços ao seu talento? Entenderam-na logo?
Esse é um filme engraçado. Há 30 anos, a Fátima Lopes era amada e odiada em simultâneo. Eu era entendida por um nicho de pessoas como eu, jovens irreverentes que queriam moda viva. Portanto, havia pessoas que não me entendiam de todo. Na altura, não era consensual. Curiosamente, nunca foi um problema para mim, aliás, fez-me querer ir mais além. Se as críticas fossem construtivas, poderia ouvi-las, mas a maior parte delas faziam-me rir. Se a intenção era deitar-me abaixo, correu mal. 

Foi preciso ter reconhecimento lá fora para que os portugueses olhassem de maneira diferente para a Fátima?
Sim. Quando comecei na moda não fui cópia de ninguém. A pouca imprensa de moda que havia, e pouco entendida, dizia que eu não era tendência. Quando chego a Paris, sou a primeira criadora de moda portuguesa a entrar na Paris Fashion Week. A imprensa de moda internacional abriu-me as portas e, aí, os «velhos do Restelo» já não afirmaram que o meu trabalho era mau, pois seriam tomados como ignorantes. Portanto, foi uma reviravolta, passei de besta a bestial. A partir de 1999, não era bom falar mal da Fátima Lopes, uma vez que já tinha uma marca internacional. 

O que é que o exterior viu no seu trabalho que Portugal não reconheceu?
Falamos apenas de profissionais e de amadores. A Semana da Moda, em Paris, é um evento destinado a profissionais de moda. Quem lá vai consegue perceber quem é ou não criador. Em Paris, as cópias não entram, porque quem as faz não é criador/a, é costureiro/a. Portanto, o profissionalismo abriu-me portas. Em Portugal, estavam habituados a copiar revistas que vinham do exterior e, de facto, foi uma grande diferença deixar de ser julgada por uma imprensa amadora em detrimento de uma imprensa profissional. 

Ouviu muitos «nãos», pelo caminho?
Sim. Nada foi fácil e o maior obstáculo foi o industrial. Fiz 30 anos de carreira e continuo a repetir o mesmo desde o princípio: a indústria da moda em Portugal nunca soube entender os criadores. Quando comecei, era vista como uma miúda lunática, sem noção do comércio. Não era entendida pela indústria, embora ainda note que o mesmo problema persista. Creio que querem trabalhar para as marcas internacionais para produzirem milhões de peças, nunca havendo uma aposta séria nas marcas portuguesas.
Atualmente, a moda é responsável por grande parte do PIB de muitos países. Em Portugal, temos uma indústria focada em trabalhar para o exterior, que não exibe o Made In Portugal. E, de facto, os «nãos» que ouvi foram em grande parte da indústria. Fui, inclusive, obrigada a abrir a minha própria fábrica. Hoje, trabalho com fábricas que já me entendem, mas, infelizmente, a juventude que dá os primeiros passos no mundo da moda, atualmente, deve estar a deparar-se com a mesma dificuldade pela qual passei.
As mentalidades têm de mudar para a indústria da moda crescer em Portugal?
As mentalidades têm de mudar para Portugal ter, um dia, a pretensão de ser a capital de moda internacional. 

Trata-se tudo de uma cadeia, não é? Os criadores dependem da indústria.
E a indústria depende dos criadores, mas apenas dos internacionais. Não há sinergias entre indústria e criadores portugueses, e isso faz falta. Está na altura de os industriais abrirem os olhos e perceberem que, se calhar, ganhariam mais dinheiro com criadores portugueses, se ajudassem a divulgar e a construir marcas nacionais.  

É uma pessoa que não dá importância ao que os outros dizem sobre o seu trabalho, mas há alguma opinião que, de facto, seja importante?
Ligo à opinião, desde que seja construtiva. Se as pessoas falam por bem, eu oiço. Gosto de sinceridade e não suporto maldade, inveja e criticar só porque sim. Mas presto atenção às opiniões, sobretudo, se forem por parte da minha família, dos meus amigos e de pessoas que respeito. 

Em setembro, completou 30 anos de carreira. Conte-nos sobre como tem sido o percurso.
São 30 anos que começaram por sonhos, determinação, teimosia e muita dedicação. São sete dias por semana e, no mínimo, 10 horas por dia de trabalho. A minha profissão é a tempo inteiro. Eu não vou para casa, desligo do meu trabalho e retomo no dia seguinte. Isso não existe. Ser criativa é difícil, cada coleção tem de superar a anterior. É uma vida que tem tanto de dificuldade quanto de aliciante. Nunca me comparei com o vizinho do lado, nunca quis isso, mas sempre tive a consciência de que as minhas concorrentes são as maiores multinacionais do mundo. Portanto, com esta noção, são 30 anos de muita dedicação. É um caminho que vai sendo traçado, de seis em seis meses, devido às coleções. 
Fátima Lopes nunca perdeu a sua identidade, mesmo com toda a evolução e mudança de estilo. A moda é cíclica e, por isso, é preciso estar preparada para as mudanças. Quem não tiver esta noção de realidade, morre pelo caminho. Sempre percebi que a moda, o mundo, os tempos e as pessoas sofrem alterações. Eu tenho de estar a par delas, para lhes conseguir dar resposta. Consegui criar uma marca que, em três décadas, nunca estagnou. É uma sensação de missão cumprida! Que venham mais 30, sinto-me agradecida.  

Foi a primeira criadora de moda portuguesa a desfilar, em 1999, na Semana da Moda de Paris. O que sentiu?
Dizia-se que era impossível entrar na Paris Fashion Week e, como o impossível para mim não existe, alcancei. Sem ter as mesmas armas que as grandes marcas internacionais, sempre fui independente. Era difícil, mas, rapidamente, me transformei na la créatrice portugaise. Na altura, ser português não era muito positivo, mas nunca me discriminaram, aliás, trataram-me como se fosse uma exceção. A imagem dos portugueses foi mudando, ao longo do tempo. Mas foi, certamente, um momento de superação profissional.  

Moda é um conceito universal ou pessoal? 
É subjetivo. Para mim, é um conceito pessoal, visto que é a minha moda. A dos outros passa-me um pouco ao lado. Diria que a parte criativa é muito pessoal e solitária. E, hoje, modas há muitas. Felizmente. Atualmente, vivemos a era mais democrática da moda, em que tudo é aceite. Há muitos e diferentes criadores, e essa diferença é recebida positivamente. Houve alturas em que as pessoas tinham de seguir quase que ditaduras de moda. Atualmente não. Não há pessoas mal vestidas, há gostos diferentes. Penso que a democracia e a inclusão vivem-se no seu todo, no universo da moda. 

«Em Paris, as cópias não entram, porque quem as faz não é criador/a, é costureiro/a»
Atualmente, como está a saúde da moda em Portugal?
Vejo-a positiva, em termos de criação. Nunca tivemos falta de criatividade, temos é falta de sinergias entre criadores e indústria. Que venham essas mãos dadas entre ambos e, então, eu direi que a moda portuguesa está de perfeita saúde, e recomenda-se.

Existe ou não cultura de moda no país?
Existe. Vivemos uma globalização real em todos os setores. A moda não está só nos profissionais da área, está também generalizada, faz parte da vida de todos. É acessível. Talvez haja pessoas a falarem demais sobre a moda, como se nascessem entendidos sobre ela, quando não têm essas competências, mas também é positivo, porque quer dizer que a moda é, hoje, transversal.

Complete. Ser criador de moda exige... 
nascer com o dom, muito trabalho e total dedicação. 

A Fátima Lopes dá muito à moda. O que é que a moda lhe dá a si?
A moda dá-me qualidade de vida e felicidade. Faz parte de mim. 

Como é um dia na vida de uma das mais emblemáticas estilistas portuguesas?
Os meus dias nunca são iguais. Começam muito cedo, acabam muito tarde, mas quase todos são dedicados ao trabalho, seja a criar ou a gerir empresas e equipas. Não gosto de ser patroa, gosto de ser líder.  

É uma boa líder?
Acho que respeito toda a gente, valorizo o trabalho de cada um e não tenho jeito para ser polícia. Gosto de trabalhar com pessoas que entendam facilmente a minha linguagem. 


«A indústria da moda em Portugal nunca soube entender os criadores»
Ao domingo, permite-se vestir um pijama maior do que o seu tamanho e umas meias coloridas?
Não, nunca! Não há pijamas em minha casa.  

Nem fatos de treino?
Tenho umas peças giras que servem para treino, mas com um twist Fátima Lopes. Servem para o fim de semana, mas continuam a ser moda.

Conte-nos algo que ninguém saiba sobre si.
O meu luxo é ficar em casa um dia inteiro, sem fazer nada, embora seja uma grande exceção.

Já vestiu a Seleção Portuguesa de Futebol, desenhou um vestido para a cantora internacional Beyoncé... Perguntamo-nos, por isso, que sonho ainda estará por realizar?
Na moda? Todos. Há sempre coisas novas para fazer. Nunca direi que tenho tudo, nem quero ter. O que a minha profissão tem de aliciante é que, de facto, tenho sempre de fazer mais. Quero mais 30 anos a superar-me e a fazer ainda melhor. 

Se tivesse oportunidade de trabalhar ao lado de um grande estilista, qual seria?
Não trabalharia com ninguém, porque não o saberia fazer. Sou muito individualista. Nunca tive um criativo ou um estagiário de moda, portanto, não trabalharia com ninguém porque iríamos anular-nos mutuamente.

Quem é a Fátima Lopes de hoje?
A mesma pessoa de sempre, com os pés assentes na terra, mas mais velha e segura. A idade trouxe-me mais conhecimento, sensatez e segurança, embora permaneça a noção de que as coisas não são fáceis. Sou a mesma pessoa, que cumprimenta toda a gente na rua. Gosto de ser feliz e de fazer os outros felizes. 
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