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Fortunato Frederico

«A Fly London é a única marca portuguesa de calçado com afirmação internacional»

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Entra sorrindo na sala onde o esperávamos, contagiando o momento com alegria. Acabara de subir as escadas a correr. Uma verdadeira inspiração, se pensarmos que está quase com 80 anos. Sentou-se e a conversa foi fluindo. Começamos pelo golfe, uma das suas paixões nos últimos quatro anos. Falou do seu percurso, da empresa e do império que construiu em 38 anos, das amizades, das perdas – a da mãe, a da freira que o criou e a do filho –, das memórias, e dos projetos que ainda quer ver realizados. Recordou o melhor amigo Marino, que conheceu no tempo da tropa, de quem sempre teve muito orgulho; falou das amizades verdadeiras. Detesta «hipocrisia». Nas paredes do escritório e da sala de reuniões estão retratos momentos e pessoas que marcaram a sua vida profissional. Desde a primeira loja online, em 2001; aos parceiros no Paquistão e no Japão; a inauguração da Namíbia, um mês depois da independência; vários diplomas, a condecoração com a Ordem de Mérito Industrial. Num desses retratos está o desenho do que seria o mundo Kyaia, quando a marca foi criada, retratada por arte, jazz, guerra, desporto, moda e o amor... Fortunato Frederico foi presidente, durante dois mandatos, da APICCAPS. Hoje é o rosto do setor do calçado em Portugal. Tem três linhas de montagem em Guimarães e duas em Paredes de Coura. Conseguem produzir até 4500 pares por dia. Entrou no Metaverso, também como forma de acompanhar as tendências. Sobre a falta de mão de obra, no seu entender a solução passa por trazer de fora ou então substituir por robots.
Sente-se um homem com 80 anos?
Não. Se me sentisse um homem com 80 anos estava triste. Ainda sou um homem feliz.

E o que é que o faz feliz?
Fazer o trabalho de que gosto. Sempre sonhei ter uma fábrica e, portanto, isso dá sentido à vida. É por isso que ainda estou aqui para enfrentar novos desafios.

E essa cabeça está sempre a trabalhar?
Se não for assim a gente não tem interesse em viver. É isso que nos alimenta. Há duas coisas na vida que são importantes: gostar do nosso trabalho e ter saúde.

Tem essas duas coisas?

Sim, tenho as duas coisas. E jogo golfe duas vezes por semana.

Uma forma de desocupar a mente?
É muito importante. Uma das coisas que a fábrica me tirou foi tempo para aprender a jogar golfe. Disposição e tempo…. Há nove ou dez anos disse para um amigo que tinha de começar a jogar golfe e fomos a Braga comprar um kit para cada um. Cheguei a casa, arrumei o saco na garagem e nunca mais me lembrei de o usar. O meu amigo começou a treinar. Passados quatro anos, ele já era um jogador de categoria, eu nem no taco sabia pegar. Um dia, na brincadeira, levei o kit e comecei a bater. Tinha dois ou três meses de treino e correu bem. Fiz um Hole In One.

Isso motivou-o a continuar?
Nunca mais fiz nenhum. Agora quero fazer e não faço. (risos). Este ano comecei a largar um bocado o trabalho e sinto-me bem. É uma maravilha. Eu vou jogar sozinho, muitas vezes. Eu enervo-me. Discuto comigo. 

Quando vê que a estratégia que está a aplicar não é a melhor?
O golfe exige muita concentração e às vezes a gente tem a cabeça baralhada. Temos de ter mais calma.

Falando no seu mundo profissional, às vezes também não corre como planeado e tem de manter essa calma…
Eu insulto-me muito. A vida não é sempre o que nós queremos. Revoltamo-nos connosco. Lutamos sempre no sentido de melhorar.

«Há uma elevação académica dos industriais que, no passado, não havia»
Sempre sonhou, desde pequeno, em trabalhar no mundo do calçado.
Saí do seminário, com 14 anos, e fui para uma fábrica de sapatos trabalhar. Comecei por varrer o espaço. A gente queria aprender, era o que nos levava a sermos aumentados. Quanto mais a gente soubesse, mais ganhávamos. O interesse pela fábrica foi motivado porque sabia, de facto, que ia ser promovido. O patrão gostava de olhar pelos trabalhadores. Conseguiu incentivar 3/4 trabalhadores a serem industriais. Foi lá a nossa universidade, na fábrica Campeão Português.

Mais tarde surge o momento de criar a sua.

Fui para África, para o serviço militar. Lá perguntei-me o que iria fazer. Primeiro, tinha garantia de que voltaria para o Campeão Português. Quando voltei, pensei que também podia criar uma fábrica. O meu patrão da fábrica, o Sr. Domingos, incentivava-me a pensar assim. Eu conto muitas vezes isso porque sempre tive muita admiração por ele. Chegou a enviar-me um envelope com bastante dinheiro enquanto estava na escola de sargentos. Vim do Ultramar, regressei para a mesma fábrica, a Campeão Português. Lembro-me que não havia uma aldeia que não tivesse sapatos da marca Campeão Português. Juntei dinheiro e comprei terreno para fazer uma casa e, depois, comecei a pensar em montar uma fábrica. Entretanto, veio o 25 de abril, a política desviou-me um bocadinho desse caminho. Andava mais envolvido na política. Levei uma chicotada psicológica e voltei ao meu objetivo. Depois, acabei por ser vendedor de máquinas de calçado. Tinha experiência. Entretanto, apareceu-me uma empresa de Leira que precisava de um técnico para compor as máquinas da zona norte. Agarrei essa oportunidade. Dali, saí quando me apareceram dois rapazes industriais a proporem-me montar uma fábrica, uma sociedade. Então, fundamos a Tratick. Não correu muito bem, porque combinamos uma sociedade a três e resolveram incluir cunhados. Passados três ou quatro anos, arranquei com a Kyaia, há 38 anos. Convidei pessoas para virem comigo: um economista e outro rapaz que formei para ser comercial.

Alguma vez imaginava criar este império?

Como tinha acabado a empresa Campeão Português, eu, como bairrista que sou, queria que Guimarães continuasse a ter a maior fábrica de calçado do país. 

E sente que vai conseguir?

Se durar mais 10 anos assim, com esta força… Este ano já vamos crescer 20%, já invertemos a trajetória.

Vê-se a ser a fábrica número um de calçado?
Hoje, há mais gente motivada a ter fábricas boas. A indústria, nos dias que correm, atravessa uma fase de crescimento. Conheço empresas que ganham muito dinheiro e que têm bons projetos para o futuro, porque agora já há esta segunda geração. Muitos dos filhos já são engenheiros, economistas, …. Há uma elevação académica do nível de industriais que, no passado, não havia. 

Tinha o objetivo de chegar a 2024 e faturar…
100 milhões. Em 2014 faturamos 64 milhões e em 2015 65 milhões. Estávamos a caminho de ser a melhor fábrica, na altura. Por isso, o objetivo dos 100 milhões para 2024. Mas sofremos algumas alterações internas.
 
E agora, qual é o objetivo?
É crescer. É colocar a fábrica a faturar o que atingiu em 2014 e 2015, no mínimo, porque ela caiu para 30 milhões.

Uma queda significativa.
Só isto é que justifica ter afastado uma pessoa do cargo, que trabalhava comigo desde os 15 anos. Se não fosse isso, não havia motivo nenhum.
Como imagina a empresa, quando já não estiver cá?
Tenho a minha sobrinha, que tomou conta do lugar de um antigo trabalhador. Tenho outra sobrinha que está na parte financeira, e mais um ou dois quadros. Como não tenho herdeiros para tomarem conta da empresa, criei uma fundação, que vai ser inaugurada oficialmente para o mês que vem. A futura presidente da associação será a Dr. Cristina, a minha assessora. Vamos criar um fundo para os trabalhadores terem o complemento da reforma que a fábrica lhes vai dar, mas para terem direito têm de ter alguns anos de casa, claro. A fundação já trabalha há cinco ou seis anos. Instituímos um prémio para os três melhores alunos de três aldeias. Começou com 350 euros e um par de sapatos, e este ano já demos 750 euros. E ainda irá subir mais. Quando eu andava na quarta classe, vivia numa aldeia próxima daqui com uma freira, a pessoa que me criou, e ela meteu-me no seminário. Passava as minhas férias com ela em Donim. Um dia recebi um prémio, que a Escola Martins Sarmento dá todos os anos ao melhor aluno das escolas do concelho. Já nem me lembrava disso. Um belo dia, estava no centro da cidade e passa o professor Santos Simões, da escola industrial, e ele recordou-me que o meu nome estava no livro da Martins Sarmento, da época que ganhei esse prémio. Isso recordou-me a primeira vez que fui ao cinema, ao Teatro Jordão, comi um lanche de categoria. Lembrei-me da alegria que passei, e logo institui um prémio na empresa para dar aos três melhores alunos das escolas de Donim, onde eu morava, de Penselo, onde tenho a fábrica e Paredes de Coura. 

Quantas pessoas emprega?
Já empregamos 620 pessoas. Com a pandemia e o fecho das lojas (a Foreva tinha 80 lojas), temos menos, perto de 500, contando com Guimarães e Paredes de Coura.

Disse que dentro do grupo tem várias empresas, nomeadamente, a de informática.
Temos a fábrica de sapatos, a fábrica de solas, fábrica que faz as palmilhas e plantares para o grupo, em Paredes de Coura.Depois, temos uma empresa de informática, de desenvolvimento de software, temos o armazém da Foreva, a Overcube, e a imobiliária, temos uns 51 apartamentos em Guimarães. Isto tudo dá para me entreter. Dentro da imobiliária temos também a Fly Residence, que são espaços de alojamento local e arrendamento, e a quinta da Eira do Sol, com 15 quartos, piscina, sauna, ginásio, ... é turismo. Tomei a decisão de fazer um campo de paddel para reforçar a atração dos turistas.

A Fly London como surgiu?
Andávamos há muito tempo à procura de uma marca. Tínhamos a Kyaia, que era a marca do grupo. Mas para marca de sapatos de senhora é muito simétrica e nós tentávamos vender sapatos e até tentamos fazer outro letring, mas não deu resultado. Até que numa feira na Alemanha apareceu a amiga Carolina e falou-nos de uma marca inglesa (os sócios chatearam-se na viagem). Falamos com um dos sócios ingleses e perguntei-lhe se me vendia a marca. Fez acordo e fiquei com a marca. 

E depois o lançamento foi logo um sucesso.
Durante anos só vendíamos no estrangeiro, portanto, a marca era conhecida em Londres, mas em Portugal não. Passados dois ou três anos, ainda viam a marca como de estrangeiros. Fazíamos muitas conferências, viajávamos muito, ... até a Oxford fui fazer uma conferência, onde conheci o Tiago Brandão Rodrigues (ex-ministro da Educação), aluno dessa mesma universidade. Em 2014 e 2015 chegamos a vender quase 1 milhão de pares de sapatos para todo o mundo. É a única marca portuguesa de calçado com afirmação internacional.

Vendem para quantos países?
51 países. Durante muitos anos, Inglaterra foi o nosso principal mercado. Mas começamos a crescer, e hoje penso que é entre Canadá e Estados Unidos.

Como olha para o mercado do calçado a nível nacional?
O mundo do calçado é a imagem. Os industriais fazem bons sapatos, mas gasta-se muito dinheiro para se lançar uma marca. E os nossos industriais não têm essa visão. A valorização da qualidade dos sapatos está feita, só não se consegue fazer a valorização do preço. 

Então, o que falta para combater isso?
Investir.

«Gasta-se muito dinheiro para se lançar uma marca»
O empresário não investe na divulgação do produto?
Acha que é dinheiro mal gasto e não investe. E nós tivemos sorte porque lançamos a  Fly London no momento certo. E, naquele tempo, eu ainda não sofria de uma coisa que sofro hoje: não recebo nenhum subsídio do Estado, da comunidade europeia, porque sou um grande grupo e não nos apoiam. Sinto-me revoltado com isso, sou uma vítima aqui. Tudo o que gasto é da empresa.

Portanto, é um empresário com sucesso, que gasta muito dinheiro e que não tem apoios do Estado.
Sim. Se a empresa é grande, porque não haverá de receber? Há grupos que recebem milhões, mas para outras coisas. Para alguns existe dinheiro, para outros já não. A lei beneficia o vigarista, porque um individuo tenta registar a marca e nós contestamos. Não consegue a marca, mas fica-se a rir. Estamos a meio do ano e já gastei 40 mil euros em contestações.

Todos querem a sua marca…
Já me disseram que é uma categoria. Uma marca que está no mercado há muitos anos e ainda gasta dinheiro a contestar. Somos injustiçados. A marca não é minha, é do país. É um bom chamariz para Portugal e não recebo apoios. Uma falha. 

Sente que o país não o valoriza?
Ninguém valoriza.

No mundo do calçado, como se inova para surpreender os consumidores?
Têm de se seguir as tendências. Senão fica-se para trás. Até agora fazíamos duas coleções por ano, neste momento estamos a trabalhar em coleções permanentes. Nós, de x em x tempo, vamos ter que injetar produtos novos. E o online é uma boa forma de se fazer publicidade a esses produtos. Para isso desenvolvemos duas plataformas e vamos entrar num projeto para lançar produtos todos os meses.

Resulta mais a venda online ou loja?
Acabei as lojas por causa das rendas. Tomei a decisão, há três anos, de começar a reduzir lojas Foreva. Durante dez anos investi 10 milhões para aguentar as lojas, e para não mandar o pessoal embora, nem pagar indeminizações ao proprietário, pois tinha contratos de 6 e 7 anos. 

Vai ficar apenas com lojas no Porto e Lisboa?
Em Lisboa temos uma loja fantástica, no Porto também, e vamos ficar com mais duas ou três no Algarve e em Évora. Temos, neste momento, entre 20 e 30 lojas.  E lá fora, tem lojas físicas? Em Londres, tínhamos duas, agora vamos ficar só com uma. Fechamos a que tínhamos nos Estados Unidos. Na Irlanda funciona bem.

«A valorização da qualidade dos sapatos está feita, só não se consegue fazer a valorização do preço»

Como também funcionam muito no online...
A vantagem é que as próprias lojas têm um site online. Juntando as duas formas de vendas começa a equilibrar um bocadinho.

De que forma acha que é possível combater esta escassez no que toca à mão de obra qualificada?
Só há uma forma. É trazer de fora. Já falei com o centro tecnológico sobre um projeto que gostava de fazer: Júlio Verne, que seria reduzir a 75% o pessoal e substituir por robots. É a forma de combater a falta de mão de obra. 

Fala-se muito da sustentabilidade. De que forma a vossa empresa já pensa sustentável?
Lançamos agora um modelo na nova coleção que é autossustentável, chama-se Fly Green, com a possibilidade de podermos recuperar as solas, o cliente entrega o sapato nas lojas, nós damos um vale de desconto, e depois reutilizamos as solas e o cabedal e fazemos tapetes para casas.
Maria Cruz
T. Maria Cruz
F. André Rolo
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