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Lídia Jorge

«Só a cultura humanística poderá conferir a dimensão dos valores fundamentais da fraternidade»

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É através das palavras que procura passar mensagens, pensamentos, confidências e histórias que ficam nas memórias das gentes. Lídia Jorge é uma das referências da escrita portuguesa. Já foi galardoada com inúmeros prémios, com destaque para o Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura, o Prémio Jean Monet, o Grande Prémio de Lieratura dst e o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas de Guadalajara – este último em 2020. Da sua terra natal, o Algarve, trouxe a simplicidade das letras e, com elas, continua a escrever romances que marcam gerações. A escritora, que passou pelas terras quentes de Angola e Moçambique enquanto docente, durante a guerra colonial, é, em Portugal, uma figura incontornável das artes e da literatura. 

Se lhe fosse possível eleger, quais seriam os dois momentos que mais marcaram o país e o mundo nos últimos 20 anos?
O que de mais importante aconteceu nos últimos vinte anos foi anunciado pelo livro de Os Versículos Satânicos, de Salmon Rushdie, publicado em 1989. Esse livro anunciava que iria vir um momento de intolerância recíproca. A marca concreta desse estado de alma concretizar-se-ia nos atentados de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos da América. Esse dia mudou a face do mundo – a relação entre os países nunca mais foi a mesma. O Ocidente compreendeu que a relação de forças com as outras regiões do globo iria alterar-se profundamente, e a guerra aberta entre as várias potências iria criar um novo mundo, este mundo em que nós vivemos – inseguro, feito de guerras regionais mantidas em simultâneo, com o séquito de mazelas que hoje em dia conhecemos. O nosso país, relativamente arredado desse conflito, vive, no entanto, submerso na mesma onda global. Entre nós, há que assinalar, além do mais, a forma como a crise das dívidas soberanas nos atingiu a partir de 2008. A intervenção do FMI, com tudo o que isso significou de revelação de como a Europa do Norte desprezava a Europa do Sul, e como a União Monetária havia sido concebida para fortalecer uns à custa dos outros, deixou sequelas. Tem demorado muito a ultrapassar. Diria que uma das melhores notícias é recente – já depois do Brexit, a Europa uniu-se para combater a pandemia e retomar o desenvolvimento. No meio de tudo, este é um sinal de esperança. Usula von der Leyen, hoje, é mais do que o rosto de uma mulher.

Profissionalmente, qual foi o momento mais decisivo para si nestas duas décadas?
Houve vários momentos gratificantes. De entre eles, destaco a adaptação de A Costa dos Murmúrios para cinema em 2004. O filme de Margarida Cardoso conseguiu ser uma grande adaptação desse meu livro. Potenciou a sua leitura e a sua interpretação. Chamou a atenção dos mais jovens para a História recente do nosso país. Esse filme continua a ser projetado, sobretudo em festivais e espaços universitários, um pouco por todo o mundo.

Qual seria, no seu entender, a mudança mais urgente que o país e o mundo precisariam operar nos próximos 20 anos?
Seria mudar o paradigma económico e da distribuição da riqueza à medida que as sociedades ficarem digitalizadas. Mas isso não acontecerá, se não for alterada a forma como se valoriza a cultura humanística a par da cultura científica. Só a cultura humanística poderá conferir a dimensão dos valores fundamentais da fraternidade, e da conservação da tipologia humana que nos faz seres de criatividade e de fantasia. Seres de viagem e de encontro com os outros. Seres de deslumbramento perante as maravilhas da natureza e da vida. 

Maria Cruz
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