Além de mulher dos sete ofícios, pertence a uma linhagem que a coloca no estatuto de realeza. Quer falar-nos das suas origens?
Sim, embora não o ache necessário. É algo que não gosto de referir... Atualmente, as pessoas falam da realeza como se se tratasse do universo da Disney, mas essa não é a verdade. Devo até dizer que não é a parte mais importante da minha vida. Penso que a vida tem que ver com meritocracia e, de facto, pertencer a esta linhagem não é algo que eu tenha lutado para conquistar... É claro que tenho orgulho na minha herança e que a guardo no coração, mas dela ficou, principalmente, a educação. Tem que ver com a forma como posso usar os meus valores para deixar um impacto no mundo, e isso sim é o mais determinante para mim.
Relativamente à minha família, está espalhada um pouco por todo o mundo, aliás, sempre viajámos bastante. Os meus pais pretendiam criar-me de modo que tivesse uma mente aberta, daí já ter morado em múltiplos países. Ainda assim, dentro de nós reside o espírito indiano, embora com um toque internacional, para deter uma perspetivada mais plena do mundo.
Modelo, filantropa, empresária, figura pública e, provavelmente, mais valências que guarda em segredo. Como é que cruza áreas tão distintas no seu dia a dia?
Na verdade, é muito fácil porque tudo o que faço, faço com o coração. Não fico a pensar no passado, creio que tudo o que acontece na vida é obra do destino. Lá está, são as raízes indianas a falarem por mim. Todos temos uma missão nesta vida, nascemos por alguma razão, e é sob este mote que levo a minha jornada.
Alguma vez sentiu que a sua herança cultural a condiciona?
Sim, e para ser sincera tem sido difícil. Venho de uma família muito conservadora e quando comecei a minha carreira de modelo não foi fácil. Tive de remar contra a maré. Também acho que este tipo de espírito rebelde tem que ver com a idade. Eu sempre quis fazer mais e estava segura do caminho que não estava disposta a seguir. Precisei de conhecer quem sou e de descobrir o meu caminho, sozinha. Com a carreira de modelo, comecei a ganhar uma experiência, em grande parte porque viajava para todo o lado. Antes disso, lembro-me de me sentir uma criança, protegida por tudo e por nada. E a escolha de reverter tudo isso foi minha.
E quanto à vertente académica, o que optou por fazer?
O meu pai não estava contente com a minha carreira de modelo, porque não era o destino que tinha planeado para mim e, por isso, voltei a estudar. Tal como ele queria. Fiz a escola preparatória de matemática e ciências, mas com a condição de fazer da minha vida o que eu quisesse, após esses dois anos. E assim se sucedeu. Logo a seguir à escola preparatória, tive um tutor que me acompanhou nas minhas viagens, para que pudesse continuar a estudar. Acabei, depois, por ir para Nova Iorque, e foi lá que me dediquei inteiramente à carreira de modelo. Comecei, finalmente, a fazer parte do mundo e a tornar-me uma jovem adulta.
Como é que surgiu a ligação ao universo futebolístico?
Uma história longa. Ora, a minha família sempre esteve envolvida em projetos de cariz humanitário, já a minha avó, por exemplo, fazia parte da Cruz Vermelha. A ideia de contribuir para um mundo melhor sempre esteve presente na minha educação, algo que ajudou a que certos projetos se desenrolassem. Com o tempo, começava a pensar fazer algo de impactante pelas pessoas, e foi nessa altura que conheci o Emmanuel Macron, tempos antes de se tornar presidente. Acabei por me envolver numa organização dedicada aos jovens, de forma a ajudá-los a concretizar os seus sonhos.
Entretanto, a vida encarregou-se de me apresentar o presidente da Comissão Nacional Francesa para a UNESCO. Esta organização intergovernamental, que conta com cerca de 195 países, tem uma delegação permanente em cada país, ocupando-se dos acontecimentos da respetiva região. E, bem, eu tornei-me embaixadora e comecei a entrosar-me neste mundo da organização internacional. Estava em constante contacto com novas ideias e a tentar encontrar diferentes projetos para criar. Mas, por ser um meio muito fechado, deparei-me com bastantes dificuldades. Não tardou até perceber que estava na hora de marcar pela diferença e ir mais além. Precisava de pôr alguma humanidade nos projetos, algo que pudesse tocar nas pessoas, a tal proximidade.
Com as andanças da vida, fui convidada para a cerimónia da Liga dos Campeões. Não sabia o que me esperava... A primeira coisa que pensei foi na quantidade de homens presentes e no número nada representativo de mulheres. Percebi rapidamente que era um problema. Acabei por entrar na sala e sentar-me no meu lugar. A cerimónia foi transmitida em direto para todo o mundo e lembro-me, de um momento para o outro, de o meu telemóvel não parar de receber mensagens. «Ó meu deus, o Ronaldo!», «Ó meu deus, o Messi!», diziam-me. Esta experiência mudou, efetivamente, a minha vida. Fiquei estupefacta com o impacto que aquilo tinha na vida das pessoas. Nas crianças e adolescentes era quase palpável a emoção que transparecia nos seus olhos, a mirar os melhores do mundo. É uma memória comovente para mim. No final do evento, regressei a casa e acordei a meio da noite com uma ideia: porque não fazer a ponte entre as Nações Unidas e o futebol? O futebol é a modalidade mais popular de mundo e as Nações Unidas têm tudo que ver com a propagação de valores. Eureca! «Eu quero tornar o futebol Património Cultural Imaterial da Humanidade», pensei.
«Todos temos uma missão nesta vida»