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· Arquitetura  · · T. Filomena Abreu · F. Direitos Reservados / Tiago Rebelo Andrade / João Guimarães / Studio Junqueira Fides

Luís Rebelo de Andrade

«Temos de fazer as coisas com grande dignidade e respeito»

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Alienado com a mudança do atelier, recebeu-nos achando que éramos outras pessoas.  Desfeito o engano, ri-se, pede uns minutos, e quando volta senta-se com descontração numa sala que ainda não o é. A mudança do gabinete de arquitetura para uma antiga adega em Carnide segue de vento em pompa e Luís Rebelo de Andrade mostra-se animado. Nem nos demos conta do início da entrevista, que só terminou porque as pessoas com quem fomos confundidos já estavam à espera. Nas linhas que se seguem, encontra-se um arquiteto, que inicialmente queria ser escultor. Um defensor da sustentabilidade e do bem-fazer. Que agradece à mulher e a Deus ter sido colocado na esquadria do destino que hoje faz dele um dos melhores arquitetos do seu tempo.
É arquiteto, mas o seu sonho não começa por aí, não era isso que tinha em mente inicialmente fazer da vida…
Não, com 16 anos queria ir para Escultura. Depois, a família achou que não era para mim e fez-me a vida negra, e eu acabei por desistir. E depois de andar aí na coboiada, a aproveitar a vida – eu costumo dizer, a treinar com a errada antes de descobrir a certa –, pedi a minha mulher em casamento, e ela só aceitava se eu voltasse para Arquitetura. Porque eu tinha estado em Arquitetura antes do 25 de Abril, antes da escola fechar. Ela dizia que não queria estar casada com um ‘badameco’ qualquer… E fui para Arquitetura e hoje gosto muito da minha profissão. Aprendi e percebi efetivamente o que era a Arquitetura e de que é que se tratava e hoje, com a experiência, estou satisfeito. Portanto, cada vez me sinto mais como peixe na água nesta profissão. Apesar de que agora também já me apetece abrandar um bocadinho e cuidar de um ou outro hobbie, porque a minha vida é feita de hobbies

O que gosta de fazer?
Adoro pintar aguarelas. E gosto também de pintar a óleo, mas não o faço porque não tenho espaço em casa. Vou passar a ter aqui, neste novo atelier, um espaço que será só para mim. E assim, se calhar, vou poder dedicar-me mais. O meu filho mais velho é arquiteto e vai ser muito melhor do que eu. E também tenho o meu genro que é arquiteto. E agora que estamos a mudar as instalações para aqui [uma antiga adega na Rua Maria Brown, em Lisboa], estou bastante entusiasmado. Isto vai ser mais para passar o testemunho e eu abrandar o meu ritmo, começar a trabalhar com mais calma, porque é a lei natural da vida.

«Cada vez me sinto mais como peixe na água»
Fez muita coisa emblemática, apontada como excecional. Mas qual é o projeto que guarda com mais carinho?
Eu tenho uma série de projetos… Aliás, tenho um grande problema, enquanto arquiteto, que é pensar no projeto e depois pensar que vou olhar para ele, ao fim de uma série de anos, e vou achar aquilo tudo um disparate. Na Arquitetura as coisas não são para seis dias. A Arquitetura é para durar, para se manter. Portanto, eu não me queixo muito no percurso que fiz por minha conta, sozinho, não me queixo dos projetos que fiz. Gosto muito de todos os projetos que fiz. Tenho um especial gosto por fazer reabilitação de património, e nós temos feito uma série de reabilitações. De igrejas, de património construído e depois temos muita hotelaria que eu também gosto muito. Não tenho nenhum projeto que possa dizer que é o meu preferido. Tenho vários de que gosto.

No seu tempo, consegue perceber que o valorizam?
Acho que sim, porque uma das coisas que mais marca isso é a chamada cópia. Quando somos copiados, é preciso perceber se isso é bom ou mau (risos), algo significa. Obviamente, quando fizemos o Pedras Salgadas, estivemos a construir em madeira, e isso veio de certa forma trazer a madeira para a construção. Quando fizemos o Patrocínio, veio trazer os jardins verticais para a construção. E acho que as pessoas reconhecem. Mas o reconhecimento que eu gosto é o da equipa. Aqui as ideias são discutidas, há um ambiente muito divertido, há muita graça, acontece muita laracha, e isso é que leva a acontecerem os projetos que temos. O desprendimento. Claro, tenho dois ou três projetos com os quais não vivo muito satisfeito. Imagino que até o próprio Siza, que tem projetos extraordinários, tem alguns feitos com a mão esquerda. Porque, com o volume de trabalho que se tem, não é possível acertar sempre. E eu também os tenho. Mas tenho tido também a sorte – Deus é grande, Deus é muito meu amigo –, de ter vindo a ser chamado para intervir exatamente nesses edifícios e vou ter a oportunidade de emendar a mão (risos). A sério! No Douro tenho um que provavelmente vamos mexer porque convenci o meu cliente a tirar um piso, aquilo é uma aberração. O edifício está feio. É mau. Não correu bem. 

«Tentamos encontrar o melhor equilíbrio de todos, mas sabemos que esse equilíbrio não é perfeito»
O arquiteto tem duas grandes características, a sustentabilidade e a preocupação com a envolvente. Quando é que isso começou?
 Acho que a paisagem também tem de ser sustentável. Eu vejo isto desde que me formei. Sempre tive essa preocupação. Só que há uns anos a gente falava disso e todos queriam: «vamos ser sustentáveis!» Mas quando viam a conta diziam: «espera, afinal vamos tirar os painéis fotovoltaicos…». A Casa Encarnada, por exemplo, é, diria eu, 95% auto-suficiente. Nós enquanto cidadãos temos essa obrigação. Ponto final, parágrafo. E temos que lutar por isso. Temos de obrigar os nossos clientes. As coisas não são só números, negócios, ganhar milhões. Não, nós temos de fazer as coisas com grande dignidade e respeito, acima de tudo pelos mais fracos, porque são esses que pagam sempre a fatura, não são os mais fortes. E, portanto, a sustentabilidade é algo que se refere a tudo na nossa vida. Tenho isto desde pequenino. Os meus pais deram-nos a todos formação, mesa, cama, roupa lavada. O meu pai nasceu pobre e morreu pobre, mas conseguiu dar tudo aos 13 filhos. A minha mãe, por exemplo, quando um apanhou sarampo, pôs todos no mesmo quarto, só se chamou o médico uma vez (risos). E quando ia a Badajoz, vestia-nos a todos com duas marcas, Levi's, que na altura era um produto de luxo, e Lacoste. Porque essa roupa passava de uns para os outros. E umas calças da Levi’s lavavam-se menos vezes, também dava poupança na lavandaria.
Estamos num boom da construção de se criarem espaços e micro espaços e estão a mudar-se um pouco aquilo que podem vir a ser os futuros ambientes familiares, a pandemia não abrandou o boom do turismo, nem vai, e estamos todos muito focados no turismo e no vender e quanto mais dinheiro se conseguir fazer…
Nós temos dois ou três petróleos no nosso país. Um deles é o turismo, mas esse só tem sustentabilidade se nós conseguirmos salvaguardar a identidade dos sítios, e o risco que se corre decorre das vaidades, e muitos arquitetos são incapazes de perceber como é que se constroem as identidades. As identidades constroem-se, obviamente, com conhecimento, constroem-se com o clima. Faz-me grande confusão ver nascer uma série de torres de habitação que é tudo em vidro, não sei como é possível falar-se tanto em sustentabilidade e estar-se a aparecer tanta construção completamente em vidro. As pessoas que vão para lá viver vão pagar caro a energia para criar bom ambiente de estar, climatização. Os materiais autóctones, se formos a ver, foram aqueles que construíram verdadeiramente as identidades. Portanto, temo é que agora o fazer bonito destrua muitas identidades.

Os novos arquitetos estarão preparados para isso?
Não faço ideia, eu faço o meu percurso, sigo o meu caminho. Aqui dentro do atelier acreditamos no que acreditamos, fazemos o nosso papel. Nós, e eu, já não estamos em idade para andar a tentar emendar o mundo. A nossa obrigação é que cada um faça o seu papel bem feito, cumpra a sua obrigação. 

«Já não estamos em idade para andar a tentar emendar o mundo»
Reparei que tem uma imagem de Cristo no visor do telemóvel…
Eu adoro o Museu Machado de Castro e adoro o espólio. Este Cristo, que tem um metro e meio de altura, é do século XVI. É um Cristo fantástico. Não falo do plano espiritual, falo da peça, uma coisa extraordinária. Apaixonei-me por esta peça porque sou muito crente. Nós somos tão pequeninos, pequeninos mesmo, até em termos civilizacionais. Veja as guerras que se estão a passar no mundo, como é que é possível? Nós somos mesmo pequenos, mesmo ignorantes, vivemos não sei bem para quê. E eu acho que tem de haver outra dimensão. Nós aqui tentamos encontrar o melhor equilíbrio de todos, mas sabemos que esse equilíbrio não é perfeito. Mas queremos chegar ao equilíbrio, queremos trabalhar para o equilíbrio, mas há sempre qualquer coisinha que falha, que depois não acontece. Enfim. Mas divertimo-nos imenso nesta profissão.
Filomena Abreu
T. Filomena Abreu
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