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· CEO da Formas de Pedra · · T. Maria Cruz · F. Direitos Reservados

Paula Moucheira

«O mármore não é só construção civil»

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Aos 17 anos, entra em Biologia. É nessa altura que descobre a geometria descritiva, o que a fascinou para o exercício da Arquitetura. Em 1979, entra em Belas Artes. Porém, foram os cinco anos intensos do curso de Arquitetura que Paula Moucheira viveu com entusiasmo. Iniciou a sua carreira no atelier Tec-Tur, que se focava na realização de projetos de luxo. Mais tarde, exerceu por conta própria, durante 15 anos. E, em 2008, dá-se uma reviravolta. A arquiteta passa a integrar o negócio familiar (empresa surgiu nos anos 40), tendo assim nascido a Formas de Pedra, que se dedica à extração de mármore. Daqui resultam peças com design, cores como o cinza, os castanhos, rosas e pretos. E uma diversidade de produtos únicos. Eis, aqui, a CEO da empresa.  

Quando é que a história de vida da Paula se une à história da Formas de Pedra?
Esta história, contada até 2008, continua com dois factos muito determinantes. Primeiro, a falta de encomendas no âmbito da arquitetura, consequência da situação financeira do país e no mundo ocidental, que gerou falta de confiança e uma crise na construção civil. Segundo, a reorganização dos bens, por questões de partilha, na família do meu pai. Nesta nova realidade, sou chamada a estar presente e a fazer parte de uma nova empresa de extração de mármore: assim surge a Formas de Pedra. 

A empresa dedica-se à extração de mármore. Que valências encontramos na Formas de Pedra que a distinguem das restantes empresas do setor?
A Formas de Pedra nasceu com uma preocupação e o meu segundo maior desafio: cuidar de todo o mármore extraído, dando-lhe o devido valor e contribuindo para alterar os padrões de qualidade, acrescentando valor pelo design, novos usos, e pensando novos produtos. É com isto que se justifica o nome escolhido. É por isto que a Formas de Pedra se distingue das restantes empresas do setor.
A pedreira localiza-se em Pardais, Vila Viçosa. O mármore desta zona caracteriza-se por ser de cristalização fina e por integrar outros minerais que se manifestam pela presença de cores, cinzas, castanhos, rosas e pretos. É muito importante ter o conhecimento de que o mármore é uma rocha metamórfica, que se transforma ao longo dos milénios, integrando sempre o que está no seu redor e dentro das massas minerais, à medida que acompanha os movimentos tectónicos da crosta terrestre. E no processo de desmonte das bancadas podem verificar-se esses movimentos de metamorfose. É desta compreensão, deste recurso natural e da sua riqueza, que surge a preocupação de transmitir esta beleza e de desmontar padrões preestabelecidos, como critério de qualidade e a pureza da cor. Estes padrões resultam da incompreensão de quem comercializa, dos consumidores e, muitas vezes, de quem extrai esta matéria-prima, porque não tem força suficiente para criar tendências e valorizar o que retira da Terra. 

Para garantir qualidade e serviço premium aos clientes é necessário estar providos de tecnologia e inovação. Acontece com a vossa empresa?
Tecnologia, sim, mas sempre a prolongar o mais possível a vida dos equipamentos, por motivos óbvios: custo de aquisição e custo de manutenção. A inovação, sim, mas sempre relacionada com a postura perante a atividade da extração e a relutância em desfazer mármore, porque é «feio», porque mistura cores, sabendo que esta recusa da matéria-prima corresponde a 70%, em média, do mármore extraído. 

Fale-nos do novo revestimento, o VEINSTONE, o que tem ele de tão diferenciador?
O VEINSTONE foi um projeto que trouxe resposta ao problema da época, em 2014, em que os clientes rejeitavam mármore com veios escuros. Perante este problema, surge a resposta: se não gostam dos veios escuros, muito bem, retiramos os veios! E, identificando o padrão natural, sulcamos a superfície, anulando a presença dos referidos veios escuros, criando um baixo-relevo na superfície do mármore e respeitando o seu padrão natural. O projeto foi desenvolvido com o serviço de um laboratório de materiais, Frontwave, e, posteriormente, registado como modelo industrial.

«A natureza dá-nos imenso, de uma forma surpreendente»
O que fazem na Formas de Pedra com os desperdícios?
Na Formas de Pedra resgatamos uma parte da matéria-prima excedente para produto, com projeto nosso, e para escultura. O restante dos 70% extraído é amontoado em escombreira ou triturado para brita. Todas as peças presentes em eventos, exposições e mostras foram executados com material rejeitado: Casa Decor 2016, 2017, 2018, 3 days of design 2018, em Copenhaga, e Milan Design Week 2020, já com o SMARBLE.  

Com o passar do tempo, os recursos minerais tornar-se-ão escassos. De que forma deve ser reavaliada a extração destes recursos?
Os recursos naturais não são escassos. Modificam-se, de acordo com as zonas onde se encontram e com a profundidade a que são extraídos. O conceito de que deverão ser consumidos produtos artificiais, que imitam mármore, para evitar a extração e assim preservar um recurso, é uma falsa justificação. O consumo desses produtos, resultarão, no futuro, num problema acrescido: como reciclar esses compósitos. O mármore excedentário pode ser partido, triturado em brita ou em pó e integrado na terra, sem qualquer dano ambiental. Volta ao local de onde saiu. O mesmo não se passa com os compósitos. O que sinto é que a extração deverá ser feita com a preocupação de encontrar uso para todo o mármore extraído. Se a dimensão não responde ao desejo do cliente, encontrem-se formas alternativas atrativas que o satisfaçam.
Aqui surge aquilo que considero muito importante: a integração de pessoas criativas dentro das empresas. Sejam de transformação, sejam de extração. Surgirão propostas, soluções, como resposta a problemas, tal como qualquer programa de projeto. O SMARBLE é um dos nossos projetos de investigação e desenvolvimento, que surge dando resposta ao problema: fissuração do mármore. Em vez de o disfarçar, a solução é assumir e evidenciar essa fissuração de uma forma geométrica, pensada em projeto. Foi desenvolvido sem qualquer financiamento e, desde 2019, constitui modelo industrial registado. A peça experimental produzida foi uma banheira, resultando na redução de 50% de matéria-prima, de tempos de maquinação, de energia e de 60% de produção de lamas. Foi um projeto finalizado com o acompanhamento do LNEG, resultante da participação no CIRCO HUB Portugal, com o objetivo de constituir um modelo de design circular e dinamizador de modelo de negócio circular, produzido em parceria com Eduardo D Pardal Lda.  

Como lida com esta necessidade de recorrer à natureza para produzir bens de consumo, pensando na sustentabilidade do planeta?
A natureza dá-nos imenso, de uma forma surpreendente. Temos a obrigação de a respeitar e de sermos cuidadosos com o que nos dá. Usar apenas o necessário e não desperdiçar. Depois, o que fazemos não são bens de consumo descartáveis, dado que são produzidos com matéria-prima intemporal e com o objetivo de se tornarem produtos circulares, através quer da integração de matérias-primas rejeitadas, quer dos processos de transformação, quer ainda pela apresentação ao cliente de novas formas de uso.  

Como tem sido estar no papel de CEO da Formas de Pedra?
Ser parte da Formas de Pedra e, mais tarde, ter-me tornado CEO foi um desafio aceite, com alguma relutância, dada a situação do mercado que se vivia quando a empresa foi formada. A crise na construção civil, de quem naturalmente dependíamos, acumulada com a falta de encomendas na arquitetura, tornou a minha vida profissional muito desafiante. Contudo, a forma como desempenhava a minha profissão, como arquiteta, foi transposta para a empresa, e, quando tudo acalmou, em 2013, o que parecia dramático transformou-se num potencial imenso de inovação. Fiz um Manifesto para mim própria, com objetivos, com um programa que regulava forma e função, com um programa de divulgação, tempos, tudo o que se define quando se inicia um projeto de arquitetura. Queria dizer ao mundo que o mármore não é só construção civil, é também casa, mesa, jardim, novo produto, novos revestimentos, iluminação etc. Este é um lado. O outro, na extração, penso que as principais mudanças terão acontecido em quem trabalhava comigo, pelo facto de ser mulher. A dificuldade não foi minha. Toda a experiência na assistência técnica de obra tinha-me ensinado a estar em ambientes industriais, ao ar livre, com frio e calor, com botas e capacete. Ser mulher não altera em nada. Na profissão estamos de acordo com o que somos como pessoas. Tanto faz ser homem ou mulher. 

Existem cada vez mais mulheres na gestão de empresas. Sendo também gestora, e por ser mulher, saber isso deixa-a orgulhosa?
Saber que existem cada vez mais mulheres na gestão das empresas deixa-me orgulhosa, sim, no sentido em que estamos quase a chegar ao dia em que não iremos mais reparar nos números, nas quotas ou nas percentagens. Não é mais do que deve acontecer, porque não são mulheres que desempenham as profissões, são pessoas qualificadas, com capacidade de trabalho e que souberam encontrar um compromisso estável entre os tempos dedicados à profissão e à família. Tal como o deverão fazer os homens. Penso também que, à medida que a educação igualitária das nossas crianças acontecer, cada vez mais se refletirá a anulação da distinção do género nas profissões.
Maria Cruz
T. Maria Cruz
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